Livros & Leituras ė uma revista literária de grande qualidade, pretígio e com muito dinamismo. Um espaço vivo, de partilha e divulgação de novos e velhos autores. Depois da referência ao Lusitânia Online na semana anterior foi publicada, hoje, a entrevista a este autor que reconhecidamente se congratula com a oportunidade. Uma entrevista com uma ponta de ironia e humor como não podia deixar de ser. Aos administradores da Livros & Leituras o meu sincero agradecimento.
Quem sou? Há 48 anos que procuro responder a essa questão. Nem o Freud explica… (risos) Mas na parte que me conheço , para além do humor afiado e da resposta pronta, licenciei-me em Línguas e Literaturas, fui professor e tornei-me bancário. Alinhavei algumas letras e parágrafos em suplementos literários de jornais durante a década de 80 e administro, actualmente, o blog
bento-vai-pra-dentro-bento.blogspot.com, onde publico textos de prosa sobre diversos temas, ligados à crítica de costumes, onde se reflecte sobre a sociedade portuguesa contemporânea. Participei na Coletânea Balaio de ideias e publiquei em edição de autor no Brasil, o livro Lusitânia Online.Continuo a alinhavar letras e parágrafos em colaboração dispersa em revistas nomeadamente na versão portuguesa da The Printed Blog. Em 2012 tive um conto premiado e publicado nos Novos Talentos FNAC da literatura, tenho
um romance pronto para editar ( Verde, código verde – Um português a fazer de Deus) e continuo, teimosamente, a escrever na antiga ortografia.v
Como e quando começou a interessar-se por literatura?
A necessidade e o interesse pela leitura e pela escrita manifestaram-se desde muito cedo. Depois de devorar, em pequeno, uma infinidade de livros sem descriminar géneros ou estilos, para além das leituras “normais” para a idade comecei também a despertar para as histórias que a minha avó contava baseadas nas novelas do Camilo. A leitura e a escrita acompanharam a minha adolescência onde o interesse pelo Português marcava já uma predominância sobre todas as outras disciplinas. A dificuldade na geometria e na aritmética e um excelente professor de Português no Liceu Pedro Nunes fez o resto…
Por que motivo resolveu escrever livros?
Pelo mesmo motivo que me leva a beber água ou a dormir… Uma necesidade! De início, talvez para esconder uma certa timidez que me levava a ser avesso a falar em público ou expressar-me oralmente e a ter maior facilidade em comunicar por escrito, mas rapidamente me afeiçoei à palavra escrita, à sua durabilidade e plasticidade. A escrita é a forma que encontrei para agitar as consciências, para despertar os outros, através dos pequenos episódios do nosso quotidiano formatado para o consumo.
Qual foi a obra que mais gostou de escrever e porquê?
Para além do conto publicado nos Novos talentos da literatura FNAC 2012 (Fashion Heroine) e alguns contos do Lusitânia Online (edição de autor publicada no Brasil) o Manucrito Verde código verde. O primeiro retrata a submissão de um casal ao seu fado e de uma mulher que, em ditadura, consegue (literalmente) estilhaçar essa submissão e obviamente, também pelas palavras elogiosas de Valter Hugo Mãe sobre o mesmo. Quanto ao manuscrito... Agrada-me por ser uma história de resistência. Uma crónica que decorre em dois planos distintos: período revolucionário de 74 e no verão de 2012. O encontro entre antigos companheiros num jantar de evocação de memórias. Um percurso em busca dos amigos por parte do protagonista, por vezes amargo, por vezes irónico que o faz descobrir-se e descobrir que é um inadaptado à efemeridade dos tempos modernos. Uma existência vertiginosa a esgotar-se em gadgets, créditos e prestações. A imbecilidade progride na proporção do crédito concedido. Deixaram de ser genuínos e absorveram carácter massivo e imparável da cultura de globalização. No final, resta o desencanto com o rumo da revolução numa geração a atravessar a crise da meia idade. E resistente também por insistir na sua publicação...
Em que é que se inspira para escrever um livro?
No ser humano! No seu grau de exposição e fragilidade. Na imagem de pessoas frágeis à superfície que desconhecem a sua força. Gente que vive ao nosso lado e tem problemas grandes, pequenos, sérios, caricatos. Na ironia do quotidiano, acima de tudo na nossa capacidade de nos rirmos da nossa história recente fértil em disparates...
Se não fosse escritor, o que gostava de ser?
Bancário não faria parte das opções, seguramente. Não vejo outra opção para além da escrita, actividade a que gostaria de imprimir um cunho profissionalizante...
Quais são seus autores preferidos?
Tantos e tão díspares. Lobo Antunes e Valter Hugo Mãe, pela densidade psicológica das personagens, pela teia de enredos ora espessos, ora de uma simplicidade brutal. O artifício do trabalho literário. A escrita sai num jorro encadeada e enredada em pensamentos crus, irónicos, pequenas histórias, delírios em ritmo intenso e contínuo. No final, a revelação do conflito interior do personagem ou do narrador. Luís Sepúlveda pela capacidade de efabulação, Miguel Torga pela ligação telúrica, pela palavra pesada e trabalhada no sentido de descrever as condições das gentes da terra, reminiscências da juventude na aldeia.Os neo-realistas pela forma de resistência ao regime, Teolinda Gersão, Lídia Jorge, Proust, Margerite Yourcenar...
Que conselho daria a alguém que deseje vir a ser escritor?
Aqueles que continuo a repetir-me... Ler muito, escrever mais ainda, persistir com entusiasmo, acreditar sempre! Fazer uso das ferramentas informáticas, das redes sociais, participar, intervir, ter uma causa para escrever, encontrar o modo, o tom e contrariar o desinteresse dos agentes literários. Havendo público, o escritor de causas, mais tarde ou mais cedo, terá o seu lugar na literatura.
Para quando um novo projecto editorial?
Terminei a revisão e reescrita do Verde código verde, continuo a acreditar que é um projecto viável a nível literário e comercial, rompe com alguns canônes e é um projecto bem humorado e com sensibilidade. De qualquer forma comecei a trabalhar noutro projecto que já vai com algum vanço. Um romance sobre uma escritora que reside na ilha de Chipre, a maior parte do tempo, numa antiga casa de pedra no sopé das montanhas e que terá, de uma vez por todas, que acertar contas com o seu passado... Não tinha a intenção de visitar a Sicília naquele verão, mas o convite para participar num filme parecia muito excitante, uma oportunidade a não perder. A vida tinha corrido tranquilamente no último ano e ela pensou renovar velhas amizades e conhecer um punhado de estrelas de cinema de renome. Havia um pequeno senão... Anos antes, tinha sofrido uma experiência traumatizante naquele mesmo local - um encontro que pensou estar ultrapassado. Mal sabia ela que a morte acidental de uma bela e jovem atriz durante as filmagens a arrastaria, uma vez mais, para uma espiral de acontecimentos fora de controle. Acidente ? Assassinato? Disposta a resolver o mistério, mas em fuga de um passado que queria esquecer, acaba por se cruzar com um administrador bancário, também ele em fuga, com um segredo perigoso e muito dinheiro para pôr a salvo. Uma viagem pelo mediterrâneo que os trará ao sul de Portugal onde pensam resolver o mistério, mas onde a pacatez e o bucolismo da paisagem apenas esconde uma provação ainda maior... Um projecto com um enredo atractivo, uma narrativa onde predomina o equilíbrio entre o sarcasmo, o suspense e a sensibilidade e com personagens das quais vamos querer ficar a saber o final da história...