Tememos, sempre, dar de caras com a data em
que o universo dispensa a nossa existência. E tudo se resume, afinal, à
relatividade das coisas, sendo o amor a mais relativa de todas que nos toca,
por vezes, com um desdém melancólico, um corpo que nos faz sentir umas coisas
com forma de outras.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
ERRO DE PERCEPÇÃO MÚTUA
Não olhes! Não olhes! É "um erro de percepção mútua"!
https://eco.pt/2017/02/13/centeno-da-explicacoes-sobre-a-polemica-na-cgd/
domingo, 5 de fevereiro de 2017
UNDER THE VOLCANO
Hugo Canoilas |
Numa visita ao Museu Nacional de Arte Contemporânea para ver o Amadeo, ainda houve tempo para andar dentro do vulcão do Hugo Canoilas. Instalação e filme.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
UMA HISTÓRIA SÓ COM VÍRGULAS
Giordano Poloni |
A minha crónica na Revista Caliban
Antónia, casada, quarenta e dois anos, desempregada, aos
trinta e cinco, a mãe, às portas da morte, chamou-a e disse-lhe:
- Não és minha filha, és adoptada, eu fui buscar-te, estavas
sujinha, tinhas uma marca na testa e estavas a fazer beicinho. És filha do meu
irmão, o teu tio.
- Mas os tios nunca me falaram, nem quiseram saber de mim,
nem quando tive sarampo e papeira…
A mãe adoptiva morreu. O resto da família sabia da história,
o “tio”, agora “pai”, só lhe disse olá
como estás pelo telefone e… Já sabes!
E a “tia”, agora “mãe”, disse-lhe que tinha que tratar do pai adoptivo que
estava com alzheimer. E ela, Antónia de seu nome, sem filhos, um marido
informático que mudou de emprego meia dúzia de vezes bem contadas, com o pai
adoptivo no lar, desempregada de longa duração, sem se dar com o sogro, com um
carro com quinhentos mil kilómetros comprado a um ajudante de mecânico para usar e deitar fora, já enervada com outras coisas da vida, a ter
vontade de fazer qualquer coisa que fizesse jorrar muito sangue com honras de
abertura de telejornal, apesar da sua entrega e generosidade, apesar do
voluntariado na associação recreativa do bairro, apesar do curso de formação,
partilhado com a Elvira, molestada em pequena, com dois filhos, um de cada pai,
psicóloga desempregada, que faz limpezas de vez em quando e quando a ciática
lho permite, mais o Francisco, designer, pintor, escultor, artista, fiel de
armazém nos últimos tempos antes do chapadão ao chefe, que vive no Sobral,
desenha, pinta, bebe uns copos e diz palermices que só o Alberto, ex-tipógrafo,
ex-bancário, ex-professor, escritor de vida adiada, acha graça. As horas
passam, os devaneios também, só o vazio sobra e a falta de paciência para acabar
de preencher o questionário do Centro de Emprego…
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
SIGA!
A realidade segue dentro de momentos.
Trump segue para a tomada de posse, a Europa segue para o pós-brexit, e na Lusitânia o Benfica segue para a final da taça, o arguido Salgado segue para a Quinta da Marinha, a malta segue com frio e o nosso destino segue o seu curso: As vacas voam e o dinheiro também, siga a marinha...
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
AS HORAS MORREM
Fonte_shame_2012 |
A crónica desta semana na Revista Caliban
As
horas morrem com a chegada do frio e o tédio não é bom conselheiro para
as exigências do dia a dia e ele chegara a um ponto em que já não tinha
paciência para o azedume dela, para a sua insatisfação e necessidade de
higiene doentia, com a casa permanentemente virada do avesso, as janelas
fora dos caixilhos para passar a pano, detergente e jornal, (esse
utensílio mágico que não chegava a ler mas que, por força das tintas, as
deixava a reluzir como nos anúncios da televisão), móveis, quadros,
cobertores, loiças, e a prenda para o enxoval que a tia Clotilde
ofereceu quando anunciou no Sabugal que ia viver com um professor de
educação física em Alfragide, bem perto de Lisboa.
Não,
não dá para ir a pé, mas tem transportes à porta e é um sítio
sossegado, uma casa muito boa, o juro é baixo e tem uma vista que ainda
se vê uma farripa de Tejo mesmo à saída da barra e em noites de nevoeiro
ouvem-se, ainda que sumidas, as sirenes dos cruzeiros parados no
estuário.
A
tia Clotilde tinha emigrado, muito nova, para França e por lá juntara o
bócio, palpitações, dinheiro e alguns hábitos da cultura e requinte
Kisch. Construiu uma casarão com telha preta, varandas com cercado em
madeira tratada com verniz sintético, importado, que cá não havia destas
coisas, dois leões sentados no pórtico de entrada e no hall, bem no
centro, todo em mármore de Carrara que um italiano, colega do marido lhe
tinha dito que era do melhor e ficara ainda mais caro pelo transporte,
uma fonte com anjinho, com arco e flecha, a fazer beicinho, de onde saía
um tímido repuxo de água, só meio despido, que ela era mulher de
pudores e recebia muitos amigos, tudo iluminado com holofotes de cor
verde e roxa, antes das escadarias em caracol que se abriam, amplas, à
direita e à esquerda para o primeiro andar com soalho de madeira,
reposteiros, castiçais e estatuetas, tudo em bom. A tia vinha a
Portugal, apenas duas vezes por ano e assim, encarregara a irmã e a
sobrinha das limpezas e do arejamento da casa que estas coisas se não se
lhes dá uso, estragam-se e enchem-se de bichos, que ela já lá tinha
apanhado aranhas do tamanho do polegar, pagava à irmã e dava uma
gratificação à pequena para ajudar nos estudos, talvez daí adviesse a
exagerada necessidade de limpeza de Sofia para extirpar a raiva, agora
que já tinha um bom emprego no banco que a ajudava a esquecer a afronta e
o complexo, certo é que também não tinha paciência para as birras dele,
para os treinos dele, para as discussões sobre o dinheiro e as compras
ou para a sua frustração em geral. O ideal era irem a um psicólogo, não
fosse a falta de bago. Ele reclamava por tudo e por nada, mas matar não
matava ninguém, nem se matava! Achava idiota mandarem-se para a frente
de comboios e de pontes, acabavam vivos, e quase sempre, estropiados. O
seu presente era feito de engulhos, pecados e má memória. Em tempos,
enrolara-se com uma colega no trabalho. Custava-lhe cruzar-se com ela
nos corredores da escola, confrontar-se com a culpa, merecida, pesada,
que até lhe cortava a respiração, imaginar que partira pratos e
travessas, rasgara livros e trapos e depressa arranjara outro, também
casado, mas que esse sim, se descasara para ficar com ela, depois de um
sofrimento atroz, digno de novela, com choro convulsivo à mistura.
Achara que conseguiria desmantelar uma relação de conforto e rotina, ela
acreditara por ver outros casamentos desmanchados, mas o rato roeu a corda. Tipo
banal, opaco, corpo musculado, marrão que vibrava com boas referências,
um pouco boçal, por vezes, a dizer anormalidades com segurança. O
remorso, afinal, provocara mais estragos do que pensava. A seguir ao
abismo, erguera-se o vazio, o regozijo do destino com a desgraça alheia,
lugar-comum de uma existência sem brilho nem criatividade, arrastando
os dias numa existência penosa, perdida entre filmes, madrugada fora, a
empanturrar-se com pipocas e batatas fritas, de pijama, já curto porque
ela se tinha enganado no programa da máquina, com os pelos do umbigo a
verem-se no intervalo de pele que sobrava entre o casaco e as calças. E a
vida seguia o seu curso, acordando, a custo, daí a umas horas para ir
ensinar adolescentes sem tino, no ginásio da escola colada ao guetto, a fazer flic flacks à retaguarda, o corpo moído, torto, de se ter deixado adormecer no sofá da sala e a boca seca de ressonar forte…
terça-feira, 20 de dezembro de 2016
LISBONVILLE II
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
URGÊNCIA
Original bronze sculpture by Jesus Curia Perez — Paris Art Web |
A crónica na Revista Caliban: https://caliban.pt/urg%C3%AAncia-b3fed82e76d9#.r29qkq225
Procuro,
com urgência, morrer a tempo sobre o teu corpo enquanto o texto está
desarrumado e nós continuamos indefinidos, numa vertigem que se torna
plural.
Peço-te que fiques sempre mais um pouco, sobra de vontade, o desejo, que entre nós, se coloca, sempre, a seguir à vírgula.
Dás-me o corpo por inteiro de uma vez. Viajamos na transgressão, conspiramos contra o mundo, corremos, e ele, mais que nós.
Perdemos forças.
A vontade é um sopro que se abafa no peito em dia de finados.
Passou.
O mar continua lá, aos altos e baixos, a entrar-me pela janela.
E de repente chega a manhã longe de ti, metade incerta de um destino que já fui.
Morro um pouco em todos os lugares por onde passo e onde procuro por ti.
Nalgum
ponto da nossa vida tudo vai correr bem para os dois, se o tempo parar e
conseguirmos ser aquilo que o destino nos omitiu…
A claridade depressa se torna noite.
Derramo os últimos versos de amor no diário e aguardo que a realidade deixe de ser um incómodo.
terça-feira, 29 de novembro de 2016
VAMOS LÁ VER SE EU PERCEBI
Vamos lá a ver se eu
percebi…
O governo convida um
indivíduo para presidir ao banco público no qual, nós, contribuintes, vamos enterrar
dois mil milhões de euros na sua recapitalização. O indivíduo ia empochar 423
mil euros/ano, mas sem a maçada de ter que tornar pública a sua declaração de
rendimentos. Da esquerda à direita ninguém contestou a exorbitância
do salário. O homem demite-se. O BCE espera, a direita regozija-se com a
demissão e tudo está bem, a esquerda diz que a culpa da demissão é da direita e
tudo está bem, o presidente, travestido de cicerone de monarcas não eleitos,
assobia para o lado e tudo está bem. O demissionário não justifica a demissão.
O governo, bom aluno, não precisa de explicações e prepara novos convites para
torrar 423 mil euros de salário e tudo está bem. O povo não reclama, o Benfica
encavou o Moreirense e tudo está bem….
Eu não percebi, mas “prontos”
está bem!
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