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sábado, 29 de dezembro de 2018

DEZ ANOS

Rob Bailey

Passaram-se dez anos e um divórcio. 
Vendemos a casa de praia, mudei de cidade,  de figura  e de perspectiva. 
Ela casou de novo. 
E eu… Senti a falta da vista de mar… 



segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

URGÊNCIA



Original bronze sculpture by Jesus Curia Perez — Paris Art Web


A crónica na Revista Caliban: https://caliban.pt/urg%C3%AAncia-b3fed82e76d9#.r29qkq225



Procuro, com urgência, morrer a tempo sobre o teu corpo enquanto o texto está desarrumado e nós continuamos indefinidos, numa vertigem que se torna plural.
Peço-te que fiques sempre mais um pouco, sobra de vontade, o desejo, que entre nós, se coloca, sempre, a seguir à vírgula.
Dás-me o corpo por inteiro de uma vez. Viajamos na transgressão, conspiramos contra o mundo, corremos, e ele, mais que nós.
Perdemos forças.
A vontade é um sopro que se abafa no peito em dia de finados.
Passou.
O mar continua lá, aos altos e baixos, a entrar-me pela janela.
E de repente chega a manhã longe de ti, metade incerta de um destino que já fui.
Morro um pouco em todos os lugares por onde passo e onde procuro por ti.
Nalgum ponto da nossa vida tudo vai correr bem para os dois, se o tempo parar e conseguirmos ser aquilo que o destino nos omitiu…
A claridade depressa se torna noite.
Derramo os últimos versos de amor no diário e aguardo que a realidade deixe de ser um incómodo.







quinta-feira, 25 de abril de 2013

FOLHA DE PAPEL

Scriptease Editions
A mãe queria que ele fosse médico. O pai queria que ele fosse gente. A mãe queria que estudasse, o pai queria que cortasse as asas e deixasse de sonhar. E ele tornou-se folha de papel cheia de palavras e deitou-se poema nos braços dela, estendida sobre a areia com cheiro a mar.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

EL GUÉS - LAS PAMPAS EN LISBOA

Foi ao volante do velhinho décimo primeiro ano, sem jantes de liga leve nem direcção assistida que, com as manobras de apoio do velho professor de Português, aprendi a ouvir e partilhar histórias. E porque uma história bem contada é um bálsamo para a alma que devemos partilhar com o vizinho para prevenir a virose da mente,  deixo-vos a narrativa de "El Portugués"

Sebastião Afonso partira cedo a ganhar o mundo à procura da cidadania Socrática e do verdadeiro espírio filosófico. Afonso por parte do pai, que lhe vaticinava bons augúrios de rei descendente de nobre linhagem e Sebastião por parte da mãe pela materialização de um desejo pedido em dia de nevoeiro, cansado dos xistos, da miséria e da fome, e, dado que a noite se mantém calada na companhia das estrelas, fugiu por ela a dentro depois de mais uma sessão de bebedeira cozida a paulada nos costados. Por entre colcheias e semibreves de Beatles e Rolling Stones tão em voga à época, chegara, após várias peripécias, ao El Dorado sonhando com rios de prata e refeições quentes no estômago... Perdeu-se de amor pelas Pampas. Mares de erva húmida e verdejante, terra plana onde perdia a vista só a rencontrando semanas depois, toneladas de gado manso em liberdade... tão diferente dos xistos, das escarpas e das oliveiras mortas de sede das beiras. Sebastião Afonso enamorou-pelas terras, perdeu a sua virgindade num primeiro amor de entrega total e inconsequente... Os anos passaram e, entre a condução do gado e trabalhos vários que lhe grangearam fama e dinheiro, Sebastião Afonso amealhou um bom pecúlio que lhe permitiu abir uma venda... a "Tienda d'el Portugés"... fosse pela dificuldade fonética, fosse pelo carinho, a mudança do nome foi um passo tão curto como a redução da palavra: chamavam-lhe a "Tienda d'el Gués". Os anos iam passando, os negócios e a fortuna tinham criado vinculos de familiaridade muito próxima. Sobrava-lhe tempo para desfrutar da beleza ímpar das Pampas. Passava dias a percorrer as fazendas montado no seu corcel malhado de crina branca na companhia do mar de erva e do sol de cristal, de peito aberto, erguia-se ao vento gritando numa alegria infantil: "El Gués!! Sou El Gués"... Embora a liberdade de movimento e a beleza das Pampas fosse o número premiado na lotaria da sua vida, tinha investido toda a sua fortuna na Argentina e em Portugal, o regresso a Portugal, agora que lhe tinham diagnosticado doença má... afigurava-se para breve... Às nove da manhã de uma segunda-feira negra e obscura, atendera o telefone...era o gerente da agência bancária... a vista turva, a nausea galopante e o desfalecimento rápido só lhe permitiram perceber as últimas frases..." A Argentina entrara em banca-rota...o seu dinheiro estava investido na totalidade em hedge funds... os mercados caíram em perdas irrecuperáveis..."
Paralelamente, o dinheiro que em Portugal tinha entrege a um gestor de negócios evapora-se a trás do dito... de degrau em degrau numa cadeia ascendente de infortúnios, o fio descarnara sob a forma de um coágulo e o curto circuito fôra rápido e indolor... nunca mais ficara o mesmo... passava, desde o regresso, a galopar pelas ruas da baixa em trajes andrajosos dizendo coisas sem nexo, varejando o ar como se conduzisse milhares de cabeças de gado invisíveis, urros inempestivos e gritos: El Gues El Gués!! que assustavam turistas e transeuntes... O vão de escada era o seu abrigo... a rua era a sua fazenda...
- Deixem passar por favor! - A voz firme do paramédico não deixava margem para dúvidas...
Afastei-me para deixar passar a maca onde se vislumbrava um amontoado de cobertores rotos e encardidos enrolados no que parecia ser um corpo...A meu lado o velhote informava os passantes:
- Era o El gués...o gajo foi emigrante na Argentina...perdeu o dinheiro... foi roubado... e deu em maluco coitado... Deus o tenha em descanso...
Não me contive... com delicadeza peguei-lhe no braço virei-o e disse-lhe:
- Não morreu nada! A esta hora anda a percorrer as Pampas de peito aberto, montado no seu corcel malhado de crina branca sobre o mar de erva verde e húmida e um sol de cristal...