Foi ao volante do velhinho décimo primeiro ano, sem jantes de liga leve nem direcção assistida que, com as manobras de apoio do velho professor de Português, aprendi a ouvir e partilhar histórias. E porque uma história bem contada é um bálsamo para a alma que devemos partilhar com o vizinho para prevenir a virose da mente, deixo-vos a narrativa de "El Portugués"
Sebastião Afonso partira cedo a ganhar o mundo à procura da cidadania Socrática e do verdadeiro espírio filosófico. Afonso por parte do pai, que lhe vaticinava bons augúrios de rei descendente de nobre linhagem e Sebastião por parte da mãe pela materialização de um desejo pedido em dia de nevoeiro, cansado dos xistos, da miséria e da fome, e, dado que a noite se mantém calada na companhia das estrelas, fugiu por ela a dentro depois de mais uma sessão de bebedeira cozida a paulada nos costados. Por entre colcheias e semibreves de Beatles e Rolling Stones tão em voga à época, chegara, após várias peripécias, ao El Dorado sonhando com rios de prata e refeições quentes no estômago... Perdeu-se de amor pelas Pampas. Mares de erva húmida e verdejante, terra plana onde perdia a vista só a rencontrando semanas depois, toneladas de gado manso em liberdade... tão diferente dos xistos, das escarpas e das oliveiras mortas de sede das beiras. Sebastião Afonso enamorou-pelas terras, perdeu a sua virgindade num primeiro amor de entrega total e inconsequente... Os anos passaram e, entre a condução do gado e trabalhos vários que lhe grangearam fama e dinheiro, Sebastião Afonso amealhou um bom pecúlio que lhe permitiu abir uma venda... a "Tienda d'el Portugés"... fosse pela dificuldade fonética, fosse pelo carinho, a mudança do nome foi um passo tão curto como a redução da palavra: chamavam-lhe a "Tienda d'el Gués". Os anos iam passando, os negócios e a fortuna tinham criado vinculos de familiaridade muito próxima. Sobrava-lhe tempo para desfrutar da beleza ímpar das Pampas. Passava dias a percorrer as fazendas montado no seu corcel malhado de crina branca na companhia do mar de erva e do sol de cristal, de peito aberto, erguia-se ao vento gritando numa alegria infantil: "El Gués!! Sou El Gués"... Embora a liberdade de movimento e a beleza das Pampas fosse o número premiado na lotaria da sua vida, tinha investido toda a sua fortuna na Argentina e em Portugal, o regresso a Portugal, agora que lhe tinham diagnosticado doença má... afigurava-se para breve... Às nove da manhã de uma segunda-feira negra e obscura, atendera o telefone...era o gerente da agência bancária... a vista turva, a nausea galopante e o desfalecimento rápido só lhe permitiram perceber as últimas frases..." A Argentina entrara em banca-rota...o seu dinheiro estava investido na totalidade em hedge funds... os mercados caíram em perdas irrecuperáveis..."
Paralelamente, o dinheiro que em Portugal tinha entrege a um gestor de negócios evapora-se a trás do dito... de degrau em degrau numa cadeia ascendente de infortúnios, o fio descarnara sob a forma de um coágulo e o curto circuito fôra rápido e indolor... nunca mais ficara o mesmo... passava, desde o regresso, a galopar pelas ruas da baixa em trajes andrajosos dizendo coisas sem nexo, varejando o ar como se conduzisse milhares de cabeças de gado invisíveis, urros inempestivos e gritos: El Gues El Gués!! que assustavam turistas e transeuntes... O vão de escada era o seu abrigo... a rua era a sua fazenda...
- Deixem passar por favor! - A voz firme do paramédico não deixava margem para dúvidas...
Afastei-me para deixar passar a maca onde se vislumbrava um amontoado de cobertores rotos e encardidos enrolados no que parecia ser um corpo...A meu lado o velhote informava os passantes:
- Era o El gués...o gajo foi emigrante na Argentina...perdeu o dinheiro... foi roubado... e deu em maluco coitado... Deus o tenha em descanso...
Não me contive... com delicadeza peguei-lhe no braço virei-o e disse-lhe:
- Não morreu nada! A esta hora anda a percorrer as Pampas de peito aberto, montado no seu corcel malhado de crina branca sobre o mar de erva verde e húmida e um sol de cristal...
Paralelamente, o dinheiro que em Portugal tinha entrege a um gestor de negócios evapora-se a trás do dito... de degrau em degrau numa cadeia ascendente de infortúnios, o fio descarnara sob a forma de um coágulo e o curto circuito fôra rápido e indolor... nunca mais ficara o mesmo... passava, desde o regresso, a galopar pelas ruas da baixa em trajes andrajosos dizendo coisas sem nexo, varejando o ar como se conduzisse milhares de cabeças de gado invisíveis, urros inempestivos e gritos: El Gues El Gués!! que assustavam turistas e transeuntes... O vão de escada era o seu abrigo... a rua era a sua fazenda...
- Deixem passar por favor! - A voz firme do paramédico não deixava margem para dúvidas...
Afastei-me para deixar passar a maca onde se vislumbrava um amontoado de cobertores rotos e encardidos enrolados no que parecia ser um corpo...A meu lado o velhote informava os passantes:
- Era o El gués...o gajo foi emigrante na Argentina...perdeu o dinheiro... foi roubado... e deu em maluco coitado... Deus o tenha em descanso...
Não me contive... com delicadeza peguei-lhe no braço virei-o e disse-lhe:
- Não morreu nada! A esta hora anda a percorrer as Pampas de peito aberto, montado no seu corcel malhado de crina branca sobre o mar de erva verde e húmida e um sol de cristal...