terça-feira, 17 de junho de 2025
quarta-feira, 4 de junho de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE JUNHO
“Abro o caderno.
Esplanada, frio, sol, reformados a jogar às cartas, algum trânsito, eléctricos a passar, transeuntes (sempre gostei da palavra transeunte), mesa, buzinas, café, pastel de nata, o ronco de uma mota (sempre gostei de motas), pombos, rua, prédio em frente, laboratório de análises clínicas Germano de Sousa, cigarro, revista, conversas, não se aprende nada, está frio, o Pingo Doce está cada vez mais caro, namorados, beijo, trotinete, autocarro, semáforos, um homem tosse, o outro fuma, o empregado aparece para receber, vai mudar de turno.
O declinar da tarde não trouxe melhoras, tropeço no vizinho, fiscal das finanças por obrigação, perdido na vida por afinidade, a mulher saiu de casa. O passado é uma ausência estranha que passa rente à vida dos outros deixando um rasto de histórias. Há algo de surrealista na nossa vida, um exercício evidente de memória e percepção que passa por ideias imaginárias, anatomia do medo latente em todas as latitudes do mundo. Não escapo à prelecção de filosofia e aos rankings da sua vida sexual. Para ele, os dias eram estilos de narrativa com um mundo em perda, sem moralidade, más escolhas e banalização. Quando fez quarenta anos, a contas com as dívidas, um filho pequeno e um cargo médio numa empresa onde fazia coisas de que não gostava, arranjou uma amante virtual e comprou o livro “Cheguei aos quarenta, e agora?”
E leu-o de fio a pavio em busca de uma solução milagrosa para o desnorte, ou uma explicação plausível para o fracasso. Completara quase meia vida sem dar por isso, tinha um ar frágil, uma tosse seca por excesso de tabaco e não tinha planos para o futuro nem meios para concretizar os seus sonhos. Vinha de um tempo em que muita coisa parecia mal, o respeitinho era muito bonito e a moralidade e bons costumes definiam a sociedade. A verdade é sempre violenta, sobretudo para aqueles que se negam a entender os tempos de mudança, e os tempos mudavam muito, hoje não seria problema, mas nos anos setenta, a sua prima fora apanhada a “fazer marmelada” dentro do carro de um desconhecido, ainda conseguiu casar com um noivo recauchutado de cinquenta anos, refugo inocente de um casamento sem sucesso, era meio dia e picos quando o pai, já trôpego, a deixou no altar, numa cerimónia rápida não fosse o diabo tecê-las. Menos mal porque estava calor.
Regresso a casa, aqueço o jantar processado, quem trouxe foi o Pingo Doce. A mulher está fora e o filho em Erasmus. Dou comida aos gatos, ligo a televisão, desgraças, futebol e big brothers a derreter vidas inúteis. Ouço discutir lá fora, carro em segunda fila, polícia e reboque, o prevaricador a gesticular como se fosse a vítima, alguns cães nos apartamentos ladram. Fumo um cigarro, banho e cama, daqui a pouco estou ao serviço. Homework em Lisboa, trabalho operacional em Bombaim, em Lisboa faz-se análise do trabalho operacional em Bombaim pago à peça.
Vizinhos correm pela manhã, fato de treino fluorescente, chuva miudinha, mails, mais mails, notificações, pausa, almoço, regresso, reunião, procedimentos, restart ao computador, mais análise. Sábado à tarde, volto à esplanada onde sempre escrevo, está um homem sentado muito parecido com o Sting, apetece-me perguntar-lhe como está a luta pela Amazónia, talvez na Message in a Bottle. Conversas de café, mural auditivo das redes sociais, a prima que foge com o primo, os filhos ao Deus-dará e eu pergunto-me se estes operários da maledicência alguma vez leram a Alexandra Lucas Coelho. Mesa ao fundo, no lado oposto do meu, um argumentista, um actor desempregado e mais dois amigos relembram episódios caricatos, “brancas” e cenas pífias.
A meio, uma dona de casa com um Lulu ao colo, os pombos aparecem de repente à cata de migalhas, a conversa geral é sobre o espanhol que parecia boa pessoa e degolou a família inteira, já deve estar longe, num sítio onde não façam perguntas e as pessoas não vejam televisão. A cidade está suja e cheia de gadelhudos, já não ouvia a palavra gadelhudos desde o pós 25 de Abril, o José Mário Branco e a luta anti-capitalista. Andamos sempre à roda e acabamos nos bons costumes que não aleijam ninguém, também já não ouvia a palavra aleijar, agora é magoar, os pombos tornam-se atrevidos, agora andam sobre as mesas mesmo com as pessoas. Uma ambulância passa em marcha lenta e eu lembro-me do caos nos hospitais. Um grupo de miúdos ri com vídeos do tik tok.
O sábado passa a correr, compras, aspirar a casa, ménage doméstica, portanto. Almoço, centro comercial para entrar nas lojas, ver e não comprar, um exército de voyeurs sem limite no cartão de crédito. Fast food, estacionamento, casa, Netflix, adormecer no sofá. Quatro da manhã, próstata, bexiga, casa de banho, um par de horas mais tarde pequeno almoço na marquise e café na esplanada, a conversa gira em torno do espanhol boa pessoa que matou a família em contexto de violência doméstica. Gosto da palavra contexto. Ele fugiu para parte incerta. Um homem sem linhas de expressão no rosto manda uns bitaites, futebol e política, ou a falta dela, Trump e Ventura, economia nickles, cultura zero.
Outro queixa-se que está farto da vida que tem, aos cinquenta, a mulher faz ioga em casa com uma APP brasileira e só come vegetais, ele fuma e come carne vermelha, bebe café e deprime-se porque a pele engelha, as dores persistem e o sexo mirra. A seguir há de ir para casa comer e ver televisão, ou vídeos na net.
Nova semana, carrossel, mais uma volta mais uma viagem, na copa do emprego um cheiro indescritível das marmitas variadas, o plim do microondas, a fila para aquecer a comida. Sexta-feira, em preparação para a lerda inércia psicológica do novo fim de semana, o dia nasceu cinzento, prenúncio de um cliché mais-que-estafado para o rame-rame laboral. Às cinco há fila no elevador, corridas para o autocarro, chuvisca, bloquearam-me o carro. Enquanto espero pela EMEL vejo os títulos no Google notícias, o marido espanhol assassino em contexto doméstico foi apanhado, era boa pessoa, cumprimentava sempre só não gostou que a mulher passasse tempo ao telemóvel e a filha passasse madrugadas a jogar. Vidas… Um cadáver dá-se a mais respeito.
Fecho o caderno.
Fim.”
domingo, 4 de maio de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE MAIO
quarta-feira, 30 de abril de 2025
SOBRESSALTO
domingo, 13 de abril de 2025
OPUS 8 SELECTA DE POESIA
É com muita satisfação e orgulho que anuncio a minha colaboração na OPUS 8 SELECTA DE POESIA editada pela Temas Originais. Um agradecimento especial ao Xavier Zarco que mantém vivo e acessível ao comum dos mortais o interesse pelo labor poético.
domingo, 6 de abril de 2025
O REGRESSO DOS ANDORINHÕES
O livro é uma edição de 2022, 802 páginas, só agora o descobri, mas vale muito a pena. O retrato de uma classe média perdida, exausta e em constante fragmentação.
“Chega um dia em que uma pessoa, por mais parva que seja, começa a compreender certas coisas. A mim aconteceu-me a meio da adolescência, talvez um pouco mais tarde, pois fui um rapaz de desenvolvimento lento e, segundo Amalia, incompleto.
À estranheza inicial seguiu-se a decepção e depois já foi tudo um arrastar-me pelos chãos da vida. Houve épocas em que me identificava com as lesmas. Não digo isto por ser feio e viscoso nem por hoje ter tido um dia mau, mas sim pela maneira como estes bichos se deslocam e pela existência que têm, dominada pela lentidão e pela monotonia.
Não vou durar muito. Um ano. Porquê um ano? Não faço ideia. Mas esse é o meu limite último.”
sábado, 5 de abril de 2025
POLAROID
Polaroid de um país à beira-mar adiado.
sexta-feira, 4 de abril de 2025
quinta-feira, 3 de abril de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE ABRIL
terça-feira, 4 de março de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE MARÇO
O artigo de Março na revista MEER.
“Sinto que me regularam a vontade, uma tontura plural que me faz esquecer de pequenas coisas com maior frequência, nos intervalos tento enumerar as vantagens que a urbanidade me trouxe. Acho que foi a tomada de consciência do rolo compressor em que o tempo ou a sua passagem se tornou. Imagino o mundo sem a noção de tempo e espaço e acabo, em sonhos, como escravo fustigado na Roma antiga ou servo da gleba na idade média. Olhando para o que sou e o que faço não vejo a diferença numa continuidade de sinais e fragilidade que vou deixando por onde passo.”
https://www.meer.com/pt/84937-perspectiva-abaixo-do-nivel-do-mar
segunda-feira, 3 de março de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE FEVEREIRO
O artigo de fevereiro da revista MEER
“ Olho em redor, sou um habitante de ver, na sociedade que fabrica costumes. Desloco-me pela mecânica de pernas e braços e levo uma vivência urbana bem-comportada.”
domingo, 5 de janeiro de 2025
REVISTA MEER - ARTIGO DE JANEIRO
O artigo de Janeiro na revista MEER.
“ Uma destas manhãs acordei com as mãos geladas, a cabeça tonta, a claridade a desfazer-se pelas persianas iluminando o cotão suspenso no quarto, o locutor na rádio a anunciar o caos no trânsito e eu a interrogar-me por que diabo estava o meu quotidiano, cada vez mais insignificante, anunciado em público.”
https://www.meer.com/pt/83514-um-condominio-regido-pelas-leis-da-narrativa
sábado, 14 de dezembro de 2024
quarta-feira, 4 de dezembro de 2024
REVISTA MEER - ARTIGO DE DEZEMBRO
quinta-feira, 28 de novembro de 2024
SOB EPÍGRAFE
quarta-feira, 6 de novembro de 2024
REVISTA MEER - ARTIGO DE NOVEMBRO
Novo artigo na revista internacional MEER, na versão portuguesa. Quando o sexo é poesia.
domingo, 29 de setembro de 2024
domingo, 8 de setembro de 2024
REVISTA MEER - ARTIGO DE SETEMBRO
Novo artigo na revista internacional MEER, na versão portuguesa. Um ensaio sobre arte e tecnologia.
https://www.meer.com/pt/81272-a-arte-e-a-tecnica-na-invisibilidade-do-corpo
sábado, 3 de agosto de 2024
REVISTA MEER
Novo artigo na revista internacional MEER, na versão portuguesa.
Abaixo, o link para a biografia e para o artigo.
https://www.meer.com/pt/81098-setembro-nao-disse-ao-que-veio
sexta-feira, 2 de agosto de 2024
quinta-feira, 4 de julho de 2024
REVISTA MEER
Começa hoje a minha colaboração mensal na revista internacional MEER, na versão portuguesa.
Abaixo, os links para a biografia e para o artigo.
quinta-feira, 9 de maio de 2024
domingo, 7 de abril de 2024
segunda-feira, 18 de março de 2024
FEIRA DO LIVRO DE POESIA DE CAMPO DE OURIQUE
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https://www.dn.pt/6099402468/feira-do-livro-de-poesia-regressa-a-lisboa-a-19-de-marco/ |
terça-feira, 19 de dezembro de 2023
CAOS
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Imagem: Pinterest |
domingo, 3 de dezembro de 2023
O QUE É NACIONAL É BOM?
Então, basicamente é isto não é?
Um esfregão Scotch-Brite para incluir as lides domésticas, uma maçã amarela para incluir a pujança da agricultura nacional e um cartão vermelho para incluir o futebol, religião comummente aceite por todos os estratos sociais.
P.S. Aceitam-se encomendas, base de licitação: 74.000,00 EUR
sábado, 25 de novembro de 2023
AS PEQUENAS COISAS
Desde que inventaram a roda, o mundo não parou mais, a nós cabe usar o travão ou, pelo menos, tirar o pé do acelerador.
Olhando para as pequenas coisas, o mundo anda mesmo mais devagar...
domingo, 19 de novembro de 2023
PSICOPOLÍTICA