No trinta e quatro segundo
esquerdo da minha rua, há um homem que conta histórias no papel, há casas antigas,
com chaminés donde não sai fumo. Há paredes, ladrilhos e estendais. Há carros,
barulho, velocidade, pombos e pardais. Há graffittis e assaltos, ternuras e
tristezas, subidas e descidas, há igrejas, escola e mercearias. Na minha rua há
sonhos, sortes e carências, ilusões, mentiras e desejos. Há olhares, intenções,
dívidas e abraços. Há Natais, festas, música, pedras, caminhos e Pessoa… fado e
futebol. Há sempre fado e futebol… Fátima é lá longe e anda esquecida. Há
memória, relevâncias , excrecências , advérbios e substantivos, há gramática de
afectos de tempos idos, há doces, cores, sabores, café, há tu e eu, de vez em
quando, no trinta e quatro segundo esquerdo, da minha rua…
sexta-feira, 26 de julho de 2013
DE CORPO INTEIRO
IraTsantekidou |
O destino era assim uma espécie de folha rasurada, várias vezes, onde perdia o teu corpo fragmentado em memórias e o achava, inteiro, suspenso na métrica e no perfume das palavras...
IN, Verde, Código Verde - O Romance
quarta-feira, 24 de julho de 2013
QUER ESCREVER UM BEST SELLER?
Pintura de Karin Jurick... |
E hoje, depois de ter recebido este mail de uma amiga:
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19:06 (há 5 horas)
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Caro Luis,
Desculpe não lhe ter dado conta dos resultados do meu contacto com a *****, mas foram tão desmoralizantes que nem me apeteceu escrever sobre o assunto.
"Catálogo fechado nos próximos dois anos" - foi a resposta.
Para bom entendedor... "
Para além de achar que muitas destas editoras não chegam a 2015, decidi fazer um pastiche de um texto do Roberto Gomes e fugir um pouco ao "catálogo" do nosso blog.
Reúna
algumas palavras delicodoces, enjoativas mesmo, misture-as com um pouco de
mistério kitsch, dê-lhes muito movimento, cor e ruído. Junte mais duas alminhas
cujos corações ainda não sabem que gostam um do outro, um pouco de drama um
pouco de humor, sexo e um enredo lendário. Alguém que descobre uma mensagem
sobre fadas e unicórnios e que só consegue decifrar metade da mensagem. Gaste
metade do livro a apresentar as personagens, de preferência ocas, planas,
vazias e sem densidade psicológica e a outra metade a decifrar o mistério…
Junte-lhe ainda lágrimas e clímax, mexa rápido e volte ao ponto de partida.
Repetir tudo de novo. Tire umas fotografias com Photoshop. Publique no Facebook
umas frases elaboradas, tipo filosofia de alcova, adicione elogios a terceiros,
junte também, moderadamente, auto-elogio. Faça umas poses, adicione-se a tudo o
que é rede social e faça likes à bruta nas frases básicas dos colunáveis que
pululam nas redes. Alguns deles gostam de ser bajulados. Faça-se amigo e
comente os blogs onde regurgitam baba literária de sucesso
repentino. Daqueles que falam na casa com piscina, nos empregados e dos metros
quadrados que distam dos mosaicos da cozinha até ao conforto e arrojo da
estética dos sanitários. Pense sempre em
dinheiro e não tenha quaisquer veleidades literárias. Escrever em inglês abre portas. Se escrever em português, inspire-se nas traduções
de best-sellers em português pedregoso. Não faça dietas à base de Aquilino,
Camilo ou Saramago, mas antes assim ao estilo rasteiro do José Rodrigues dos
Santos. Tal como ele. Use personagens ocas, planas e sem densidade psicológica.
Não complique. As mulheres são sempre jovens e bonitas. As feias são sempre sofridas
e tristes. As bonitas são burras. Pelo menos um dos personagens deve imaginar
que tem por missão salvar o planeta. Apresentados os personagens, crie um
conflito. Soa-lhe igual a tanta outra coisa? Paciência! Não se chateie: você quer ganhar dinheiro e
não convém estar virado para originalidades. Há quem faça isso, nas novelas,
anos a fio e ninguém se importa. Aflore, en passant, uma ligação com o Vaticano
ou com a Maçonaria e pronto! Está no bom caminho. Se não sabe inventar enredos não faz mal. Faça como a Clara de Sousa: Junte meia dúzia de receitas de culinária da sua avó querida, arranje uma capa gira e ponha uma maquilhagem forte. A banalidade é a chave do sucesso!
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