Ahmed, 7 years old, stands before a Free Syrian Army stronghold in
The Huffington Post
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“Espero uma espécie de alma gémea do outro lado
do texto”
Mário de Carvalho
Olho para trás com vontade
de corrigir o passado e percebo que nos habituamos a não ter sido. Se fechar os
olhos, por instantes, fico a uma distância segura da memória e do medo num
universo que achava infinito e renovável, espécie de física quântica ou de tijolos
sobrepostos a emparedar a nossa ingenuidade e pergunto-me se alguma vez
estivemos completos ou se passámos a vida a apanhar cacos desde a
infância.
Pego no papel e lápis e
procuro, nas palavras, encurtar o abismo que nos separa, nesse cansaço de fim
de tarde, sem conseguir explicar porque ficou o coração apertado assim tão de
repente e tão difícil de decifrar. Sonho somar rugas, cicatrizes, marcas, lastro
que o tempo larga em dias mansos, perder
os meus limites à espera do milagre, do fim da novela, ou da Ressurreição no teu
corpo. Estou
sempre de partida e sem destino, homem brando a levar a vida em banho-maria, a
sentir o corpo ausente, a desejar que o remorso fosse pedra para poder lançá-la
e aliviar a carga. Em sonhos, viajo para muitos lugares, para longe e durante
muito tempo e fico o mesmo, sem certezas geográficas, nomes ou aritméticas.
Assim eram os pássaros.
Toda a realidade se dissolve numa abstracção de
Schiller ou Kant... E depois fico assim, parado a meio do texto, sem ideias ou
vontade, à espera que ele se escreva sozinho. Fumo um cigarro e penso que o
universo é uma dialéctica entretida a subtrair coisas boas do teu sorriso e a
fazer-nos viver com a diferença. O dia não ajuda. Está frio e cinzento, vai
chover e não trouxe guarda chuva. Oiço baixinho uma música do Einaudi. Deixa-me
assim no rame-rame de uma melancolia doce, politicamente correcta, aceitável,
se assim se poderá dizer. Certo é que
continuo sem produzir.
Olho para a
frente e vejo que o céu está cheio de pássaros e percebo, então, que ganho asas quando
escrevo, que a moral da história está naquele
livro que nunca lemos, e que decifrar estas palavras é repeti-las no tempo e no
espaço, em que o amor é a nossa única liberdade...