sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

ESCHER LISBOA




Quanto mais de perto se olha uma palavra mais ela nos olha de longe.

Karl Kraus


sábado, 20 de janeiro de 2018

UNDER THE COVER





Recentemente, numa visita à Gulbenkian, descobrimos a UNDER THE COVER, uma loja de publicações independentes, de grande qualidade,  num espaço muito agradável que convida a explorar as novas vanguardas e onde a dificuldade reside na escolha do número de exemplares a adquirir. Da experiência, fica aqui a entrevista que a UNDER THE CONVER concedeu ao nosso blog.


1 – Como surgiu o projeto Under The Cover?

A loja under the cover abriu portas em Dezembro de 2015 por iniciativa de Luís Cunha e Arturas Slidziauskas, mas o projeto começou a ser delineado quase um ano antes. Algo que tínhamos como certo desde o início era fazer algo que gostássemos na nossa vida pessoal. Sempre tivémos uma paixão por revistas e publicações independentes, e sentimos que havia um espaço por preencher na cidade. Viajámos e procurámos inspiração noutras lojas do género espalhadas pela Europa, e assim nasceu a under the cover: uma loja especializada em publicações criadas para inspirar o leitor.

2 – Na sociedade atual em que, apesar de haver maior quantidade de meios de comunicação, a vertigem do tempo impede as pessoas de ter um maior contato direto, o tipo de revista como a que encontramos na Under The Cover poderá ser uma forma de resistência?

Acreditamos que numa sociedade pautada pela rapidez dos  acontecimentos e em que os objetos perdem a palpabilidade, momentos em que desconectamos e folheamos pausadamente uma revista, são um privilégio que não deve ser negado e uma necessidade para o bem-estar. É um hábito simples que tem um incrível potencial de melhorar o nosso dia.

3 - Que pensa do livro e da revista digital? Teme-os ou, pelo contrário, acha que poderá ser um complemento?

Ao contrário do que se poderia pensar, as plataformas digitais têm sido as melhores aliadas das publicações independentes. Prova disso são os inúmeros exemplos de revistas que nascem secundariamente a plataformas digitais: Hypebeast, The Rolling Home, A City Made By People, Printed Pages... O meio digital é excelente para testar modelos a custos reduzidos. Se o formato digital reúne popularidade e tem os seus fãs, transitar para o papel é um passo menos arriscado. Estas plataformas têm sabido aproveitar o formato físico enriquecendo a experiência de leitura e oferecendo conteúdos que não são possíveis obter através da internet.

4 - Como se gere um negócio livreiro deste tipo?

É com muito prazer que fazemos o que fazemos, temos por isso dificuldade em vê-lo como um negócio. Grande parte do nosso tempo é passado na pesquisa de novas publicações e na curadoria dos produtos. Estamos especialmente atentos ao que se está a fazer de mais vanguardista na cena editorial internacional. Este é um mundo novo para nós, e ainda estamos a apender com os nossos erros e sucessos. Em última instância, são os nossos leitores que ditam se estamos a fazer bem o nosso trabalho. Eles estão na nossa mente na tomada de qualquer decisão e é a eles que temos que a agradecer tudo o que construímos.

5 - Que livros e outros materiais podemos encontrar na sua livraria?

A under the cover é uma livraria contemporânea. Disponibilizamos livros, e principalmente revistas internacionais, que fazem uma abordagem fresca e irreverente de temas como a arte, moda, design, fotografia, gastronomia, viagem, música, sociedade, estilo de vida, etc.

6 - Para terminar, fale-nos um pouco sobre algum episódio especial ou fora do comum que tenha sucedido na sua atividade, do espaço e onde se situa, para que os nossos leitores a possam visitar.

A melhor recompensa que podemos ter é  o reconhecimento de quem nos visita. Ver alguém tão entusiasmado com as publicações como nós próprios, e que encontra nelas motivo de inspiração. E depois há aquele momento, que fecha um círculo, em que alguém que descobriu uma revista no nosso espaço, acaba por escrever para ela. Isto já aconteceu antes e nós esperamos que aconteça muito mais vezes. É desta relação próxima entre editores, contribuidores e lojistas que o mundo das publicações independentes é feito.

Convidamos todos a visitarem-nos e encontrar inspiração nas páginas de uma revista. A loja está localizada em frente a uma das saídas do Jardim da Fundação Gulbenkian, na Rua Marquês Sá da Bandeira 88b. Os nossos produtos também podem ser adquiridos na nossa loja online em www.underthecover.pt

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

JANEIRO DE 2056



 
A crónica desta semana na Revista Caliban:



Eles viviam em união de facto, há mais de quarenta anos, desde que se conheceram na colónia C2C de Marte. Uma tarde, quando se encontravam a descansar na sala, o sensor do sinal vital emitiu um alerta sobre ambos e ordenou que se dirigissem ao Centro de Atendimento de Longevidade Elevada. Aí chegados, a equipa de enfermeiros aplicou o scanner para leitura digital que elaborou, de imediato, o diagnóstico preciso, rigoroso e incontestado, com validação final do robot de serviço. Os dados foram comunicados à administração do Centro, aos Serviços Administrativos do Ministério do Bem-Estar Social, da Segurança Nacional, do Recenseamento Demográfico e das empresas de distribuição de notícias, consumo e fornecimento de serviços básicos, bem como à Associação de Supervisão de Robótica.
No Centro de Atendimento de Longevidade Elevada, foi-lhes comunicado que a gravidade da doença detetada, apresentava uma reduzida esperança de vida, não ultrapassando, com cem por cento de probabilidade, os sessenta dias, o que implicava o uso de medicação e meios técnicos de suporte artificial de vida, muito avultados, só autorizados, em casos excecionais, a casais jovens e crianças. O robot elaborou o orçamento e providenciou a autorização e impressão de dois Vauchers para transporte e comida e um item de consumo indiferenciado, com validade de doze horas.
Apanharam um fast-táxi e na loja estatal de consumo standard-hermético, perto do edifício onde moravam, esgotaram o valor do Vaucher na compra de faisão, caviar, trufas, um néctar da Provença premiado com várias medalhas de ouro e um ramo de flores. Já em casa, o robot Homefriend da série II encheu uma jarra com água para colocar as flores, pôs a mesa e foi abrir as camas. Comeram em silêncio, foram deitar-se, despediram-se e o prestável Homefriend série II desligou o serviço de domótica. Na manhã seguinte, o Homefriend série II abre a porta a dois homens de farda azul-marinho, que se apresentam como funcionários da Secretaria de Estado da Orçamentação do Bem-Estar Social, com um tablet, para leitura de uma comunicação do secretário superior e reconhecimento facial.
Seguindo os procedimentos, é-lhes aplicada uma injeção-laser com um composto atordoante de não-retorno.
Morrem em paz e sem dor. Com a ajuda do prestimoso Homefriend série II enfiam os corpos dentro de sacos pretos, selam-nos e colocam-nos numa carrinha de transporte e combustão. Contornam o quarteirão e entram na marginal junto ao rio. Os corpos são incinerados em andamento. Param junto ao Padrão Comemorativo da Colonização de Marte e atiram as cinzas ao rio. Os dois funcionários voltam a entrar na carrinha de transporte e combustão, leem no computador de bordo a nova mensagem que chegou da Secretaria de Estado da Orçamentação do Bem-Estar Social, fazem uma curva de cento e oitenta graus e seguem em direção à casa de uma mulher de trinta e cinco anos, que tem um filho menor com cancro…


quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

NERVO





NERVO* (do latim nervus; substantivo masculino)
Cada um dos órgãso em forma de filamento, que ligam o sistema nervoso às outras partes do corpo e servem de condutores da sensibilidade e do movimento.

Chegou-me hoje, pelo correio, a revista Nervo, um colectivo de poesia organizado e editado por Maria F. Roldão. Uma irrepreensível composição conceptual e gráfica onde se reúnem quinze poetas e dois artistas plásticos de seis nacionalidades. Numa era em que cada vez se lê menos literatura "séria" como recentemente me confidenciaram, é de louvar este novo espaço de divulgação de poesia contemporânea, alcançando "o que de mais aprazível se escreve e produz no meio literário  actual, nas diferentes gerações de poetas", defendendo os valores da liberdade, pluralidade estética e hedonismo criativo. Como...

"Água-de-poema
a cair sobre as páginas
Seixos
de sede
saciada."
Maria F.Roldão



E A VIDA CONTINUOU




Chegou-me, hoje, por correio "E a Vida Continuou - Incursões na Loucura de uma Existência Normal" de Mário Jorge Almeida e já o li. Para quem pensar que os bancos são instituições de gente séria a gerir fortunas no conforto dos gabinetes, tem que ler este livro para perceber como um "Danny Devito" lê enciclopédias na casa de banho para decorar palavras caras para as reuniões que dirige, ou um "esparguete" que arranjou emprego à conta do irmão e conseguiu rebentar com uma corretora e despedir quase um terço dos funcionários de um banco. Pelo meio há sexo, muito sexo, má gestão e picardias. Só assim se percebe a hecatombe do panorama financeiro português. Uma viagem pela memória, pela adolescência, pela banca dos anos oitenta até aos nossos dias, Moçambique e a descolonização, num tom irónico, por vezes jocoso, um retrato da mediocridade que grassa nalguns setores, resultado de uma vontade e de um novo recomeçar...

"Não obstante ser clara a noção de valores e decência ou ausência total deles, que podemos intuir relativamente à atitude de uma empresa que durante a Quadra Natalícia decide despedir coletivamente perto de 150 empregados, alguns dos quais, (...) com mais de 50 anos de idade, (...) a verdade é que sem esta nova situação em que me encontro, escrever este livro teria permanecido no mesmo estado de projeto eternamente adiado em que se encontrava desde há quase trinta anos."


segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CARO NUNO MARKL


Ilustração de Ricardo Campus

Caro Nuno Markl,

A minha tia, da parte da minha mãe, sempre me gabou o jeito para ler e escrever, pois, desde miúdo de fralda, que lia rótulos de garrafões de vinho daqueles de plástico branco, porque o meu pai era míope, bulas de medicamento, porque a minha mãe tomava comprimidos "Saridon" para as enxaquecas e instruções de pensos higiénicos e pílulas, porque a minha irmã mais velha já se encontrava às escondidas com um mancebo no bairro de Campolide, mas tinha dificuldade em ler duas linhas do tamanho de comboio regional... Cheguei a enviar os meus textos para o 5 para a Meia-noite, para a revista GERADOR e para a editora LEYA. A Leya respondeu-me ao fim de 15 dias a dizer que eu escrevia muito bem, mas que não arriscava num desconhecido, que fosse primeiro escrever colunas na imprensa diária, que amadurecesse um romance ou enviasse uma crónica para o Markl. E eu escrevi para a Gerador, mas eles disseram que tinham que reequacionar novas propostas, eufemismo mais-que-perfeito para "vai morrer longe". De caminho, ainda me perguntaram se eu queria ser sócio, ora eu apenas pago cotas na Associação "Sobral de Monte Agraço já tem parque infantil" e não posso ter mais encargos porque estou no chômage, como diz o meu padrinho que Deus tenha lá no céu que foi emigrante em Paris de França. Deixei de teimar em publicar os textos na revista que só vejo à venda naquele contentor manhoso à entrada do LX Factory, pois que já fui às melhores casas da especialidade em Portugal e, inclusive, na FNAC disseram-me que gerador não era uma revista, mas um artefacto mecânico para produzir energia, então em que ficamos? Agora decidi aceitar o conselho da Leya e fazer-te um convite. Li, recentemente na imprensa, que tinhas convidado um realizador de cinema para almoçar, mas que ele recusara. Há quem ande de cócoras atrás da Madonna para uma entrevista, há quem ande em bicos dos pés para ser ministro, mas nós os dois, que estamos em pé de igualdade (ambos usamos óculos) estamos acima dessas coisas, por isso faço-te um convite: Convido-te para almoçar, de caminho falo-te no meu blog, no meu livro que ganhou um prémio literário, mas que ninguém quer publicar e tu falas-me de humor, dos teus programas, recordamos as histórias mais fortes do “Homem que mordeu o cão” e de como é ter que conviver com estes malucos que te convidam para almoçar ou sobre o Padre António Vieira, o buraco do Ozono e a cintura de Van Hallen.. Tiramos uma “selfie” e faço uma reportagem no meu blog. Pago-te um almoço no Honorato, que é a fatia de subsídio de desemprego que posso desembolsar e cada um vai à sua vida feliz e contente. Não sou um stalker, sou um autor, já fui ao programa do Alvim, só me faltas tu e a Filomena Cautela, mas essa anda atrás da Madonna, que não lhe liga pevas, e nós podemos fazer um slogan: “Mais depressa o Bento entrevista o Markl, que a Madonna vai ao 5 da meia noite!” Ganhei os jogos florais de uma autarquia com uma Ode ao Mira, que é o meu tio com nome de rio, mas também existe o Laborinho Lúcio que tem nome de peixe e eu não sabia que os peixes escreviam livros, tenho um blog sobre literatura, pitta-shoarma e batatas fritas, sou iconoclasta, manco um bocadinho da perna esquerda, tenho a tensão alta controlada e vivo do subsídio que está a acabar.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

RISCO DE REBOQUE




- Então e uma placa de estacionamento proibido? Não era melhor?
- Era, mas isso custa caro!
- Então e a Câmara Municipal deixa?
- Não deixa, mas também não vê!
- Ok, prontos!

O CAMINHO DAS PEDRAS




O verdadeiro sentido e caminho das pedras:

"Pedras no caminho? Guardo todas. Estudo Geologia!"
Mayara Guedes

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

BITCOINS


WAYNE THIEBAUD




O meu tio, que na realidade era padrinho da minha prima e não nos era nada, mas nós tratávamos por tio porque tinha uma drogaria na rua de Campolide mesmo junto ao Tarujo, perto de um quartel e ganhava muito dinheiro, dava-me uma sandes de torresmos e oferecia-me uma Laranjina C sempre que eu ia para lá ajudar depois de sair da escola e de fazer os trabalhos de casa. O meu tio era alto, entroncado e com fortes traços de cavalgadura e tinha casado com a dona Antónia, atarracada e minúscula em modo redondo carica, que chamava "Pilips" à sua televisão, porque, desconhecia ela, o PH, para além de medir o grau alcalino, também se lia F como na farmácia do tempo do Eça de Queiroz. O aparelho de televisão era enorme, pesado, com naperonzinho no topo para resguardar do pó e um pequeno castiçal com velas para dar graça, colocado no quarto de dormir sobre a cómoda onde, todas as noites de quarta-feira viam filmes Danny Kaye enquanto ele se aliviava, sem apelo nem agravo, da flatulência, nos intervalos em que ela ia à cozinha buscar bolachas Maria. O meu tio vendia sabão azul e branco em barra, carvão e petróleo a granel e pacotes de cera búfalo, mas aquilo era tudo muito pesado para as minhas costas, tanto que comecei a ficar com a coluna torta, tão torta que o médico disse-me que eu deixei de ter coluna e passei a ter colina. Ainda hoje sofro de dores e náuseas por causa do tempo que passei perto do meu tio quando ele fumava uns cigarros Kentucki mata-ratos que o deixavam sempre a rir. Vem esta conversa a propósito das Bitcoins porque eu prometi à mina mãe querida, à Ágata e ao Roberto Carlos que ia ser alguém na vida, mas como sofro das costas, acabei a trabalhar num banco durante 25 anos e fiquei a perceber a importância do dinheiro… Só Karl Marx com o seu materialismo dialético e a exploração do homem pelo homem estava certo: Tudo o que existe, e move o mundo, é material! Tudo o que existe e é material, e faz mover o mundo, leva à exploração do homem, assim, se desmaterializarmos, na essência e na substância, aquilo que faz mover o mundo, conseguimos explorar o homem sem necessidade, sequer, de Halibut…é a essência e a substância das Cryptomoedas. E prontos!