A crónica desta semana na Revista Caliban:
Eles
viviam em união de facto, há mais de quarenta anos, desde que se conheceram na
colónia C2C de Marte. Uma tarde,
quando se encontravam a descansar na sala, o sensor do sinal vital emitiu um
alerta sobre ambos e ordenou que se dirigissem ao Centro de Atendimento de
Longevidade Elevada. Aí chegados, a equipa de enfermeiros aplicou o scanner
para leitura digital que elaborou, de imediato, o diagnóstico preciso, rigoroso
e incontestado, com validação final do robot de serviço. Os dados foram
comunicados à administração do Centro, aos Serviços Administrativos do
Ministério do Bem-Estar Social, da Segurança Nacional, do Recenseamento
Demográfico e das empresas de distribuição de notícias, consumo e fornecimento
de serviços básicos, bem como à Associação de Supervisão de Robótica.
No
Centro de Atendimento de Longevidade Elevada, foi-lhes comunicado que a
gravidade da doença detetada, apresentava uma reduzida esperança de vida, não
ultrapassando, com cem por cento de probabilidade, os sessenta dias, o que
implicava o uso de medicação e meios técnicos de suporte artificial de vida,
muito avultados, só autorizados, em casos excecionais, a casais jovens e
crianças. O robot elaborou o orçamento e providenciou a autorização e impressão
de dois Vauchers para transporte e
comida e um item de consumo indiferenciado, com validade de doze horas.
Apanharam
um fast-táxi e na loja estatal de
consumo standard-hermético, perto do edifício onde moravam, esgotaram o valor
do Vaucher na compra de faisão,
caviar, trufas, um néctar da Provença premiado com várias medalhas de ouro e um
ramo de flores. Já em casa, o robot Homefriend
da série II encheu uma jarra com água para colocar as flores, pôs a mesa e foi
abrir as camas. Comeram em silêncio, foram deitar-se, despediram-se e o
prestável Homefriend série II
desligou o serviço de domótica. Na manhã seguinte, o Homefriend série II abre a porta a dois homens de farda
azul-marinho, que se apresentam como funcionários da Secretaria de Estado da
Orçamentação do Bem-Estar Social, com um tablet,
para leitura de uma comunicação do secretário superior e reconhecimento facial.
Seguindo
os procedimentos, é-lhes aplicada uma injeção-laser com um composto atordoante
de não-retorno.
Morrem
em paz e sem dor. Com a ajuda do prestimoso Homefriend
série II enfiam os corpos dentro de sacos pretos, selam-nos e colocam-nos numa
carrinha de transporte e combustão. Contornam o quarteirão e entram na marginal
junto ao rio. Os corpos são incinerados em andamento. Param junto ao Padrão
Comemorativo da Colonização de Marte e atiram as cinzas ao rio. Os dois
funcionários voltam a entrar na carrinha de transporte e combustão, leem no
computador de bordo a nova mensagem que chegou da Secretaria de Estado da
Orçamentação do Bem-Estar Social, fazem uma curva de cento e oitenta graus e
seguem em direção à casa de uma mulher de trinta e cinco anos, que tem um filho
menor com cancro…