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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

ENQUANTO VAMOS SOBREVIVENDO A ESTA DOENÇA FATAL

 


Tive a oportunidade de conhecer o Nelson Nunes num dos muitos cursos de escrita criativa da EC.ON, daí para cá tenho acompanhado o seu percurso literário com muito interesse, o seu  último livro Enquanto vamos sobrevivendo a esta doença fatal, da editora Zigurate, a que  tive o prazer de assistir ao lançamento é um ensaio bem  estruturado, de leitura acessível, com suporte bibliográfico abrangente e que aborda as várias manifestações da morte, testemunhos na primeira pessoa sobre reação à morte dos que nos são próximos, a eutanásia, com algum humor, por vezes, de forma a aliviar a carga. Poder-se-ia dizer, com toda a propriedade, fazendo uma apropriação do título de um dos capítulos: um Manual de instruções para viver com prazo de validade.

263 páginas que se devoram num ápice.

A ler.


terça-feira, 26 de junho de 2012

O TEMPO

Desde que inventaram a roda o mundo não parou mais... Então, tornemos a visitar este texto e aproveitemos a oportunidade para parar um pouco...


Ainda a mãe se encontrava prostrada na maca da ambulância berrando de dor de parto e já ela lhe esgadanhava as coxas metendo a cabeça de fora, ávida de ganhar o mundo. Nascida antes de tempo, com pressa de atingir a perfeição, tudo na sua vida fora uma olimpíada sem obstáculos. Dispensara as primeiras letras porque as segundas, trouxera-as com o cordão umbilical. Clássicos, modernos e assim-assim; contas, números e rabiscos foram segredos breves e acelerados, desvendados de forma esparsa e apressada. Faculdade, emprego, administração, adormecer em Londres, almoçar em Paris, jantar em Madrid, reuniões, accionistas e congressos... Foram degraus esgalhados a quatro e quatro numa escalada vertiginosa rumo ao sucesso, num sprint a contra relógio sem tempo para olhar para trás.

- “Não casas mulher?... Não tens filhos?... Vamos ao teatro?... Cinema? Um cafezinho?”- A tudo respondia com uma leveza insustentável:

- “Não tenho tempo!”

Até que um dia, por volta dos quarenta, numa curva da vida sem travões, durante uma viagem de carro com destino aos negócios, numa ultrapassagem com erro de cálculo foragido às leis da física vira, de repente, aquela luz frontal… A mesma que a encadeava agora vinda do tecto e iluminando todas aquelas batas brancas. Sentia frio, muito frio. Uma dormência letal no seu corpo banhado a hemorragia por dentro… Ao longe e de forma esbatida, ouvia murmúrios e o fraco tremeluzir do gráfico… E aquela luz… Aquela luz que a ofuscava… Se ao menos conseguisse fechar os olhos…

Então, de repente, de segadeira em punho, surgindo do meio do nada, esquálida, gélida e envolta no seu manto lúgubre surgiu a morte com o indicador espetado indicando-lhe que a seguisse…

"Que não… Que não ia, tinha muita coisa para fazer… Holdings para vender, contratos para assinar, posições para assumir"…

- "Piiiiiiiiiiiiiiiiii"… - O alarme sonoro e os acenos de cabeça foram a pedra de toque para desligar a máquina e apagar, finalmente, aquela luz…

A morte apontou-lhe o dedo de novo insistindo para que a seguisse…

- Não! Não me leves ainda! Deixei tanta coisa por fazer… Dá-me tempo…

Meneando a cabeça para a esquerda e para a direita, num movimento lento e sentenciador, a morte inclinou-se e com uma leveza insustentável proferiu:

- Desculpa! Não tenho tempo…
Luis BentoTerça-feira, 4 de Janeiro de 2011