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sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

ENTREVISTA COM ANA CRISTINA PEREIRA LEONARDO




Acompanho as suas crónicas no jornal Expresso desde há longo tempo, bem como a sua presença corrosiva e de grande assertividade, nas redes sociais. Não podia ficar indiferente à sua estreia no género romance com o livro "O Centro do Mundo", da Quetzal, bem guardado na minha estante, como documenta a foto. Li-o de uma assentada, fascinou-me a estrutura, as referências literárias, o humor e a solidez de um projecto literário definitivamente consolidado. Ana Cristina Pereira Leonardo é colaboradora do Expresso, onde assina uma crónica e crítica literária, é também tradutora e revisora e teve a generosidade de conceder uma pequena entrevista ao nosso blogue.

1. Como surgiu a ideia para "O Centro do Mundo"?

A ideia surgiu há já uns anos, quando soube da passagem por Olhão - cidade onde nasci - de Boris Skossireff, russo branco nascido na Lituânia com um percurso de aventuras extraordinário que cobre as duas guerras mundiais - passando pela Revolução de 1917, pelo nazismo e pelos gulags da Sibéria -, tendo chegado a ser Rei de Andorra durante uma semana, até acabar preso e expulso do então Principado pelos espanhóis. 

2. "O Centro do Mundo" é um romance com uma estrutura fragmentada onde sobressai uma aturada pesquisa, muita referência histórica e cultural. Quer falar-nos um pouco sobre estes pontos?

Gostava que ficasse claro que "O Centro do Mundo", apesar de ter como ponto de partida/pretexto uma personagem de carne e osso, não é um romance histórico. Não pretende fidelidades nem retratar qualquer época. Pessoalmente, tanto me interessava o russo como Olhão, a "vila da Restauração" cantada por Zeca Afonso. O contraste/ proximidade entre as duas realidades, o pícaro olhanense e o aventureiro ficcionista de si próprio, era o que estava em causa. Dito isto, não acredito muito em narrativas que partem de uma ideia. A literatura é do domínio da palavra. No caso, a organização das palavras foi o mais difícil. Como estruturar uma ficção que não se quer "organizadinha", nem historicamente cronológica, mas que, com risco de se tornar ilegível, não pode ser apenas caos? A estrutura fragmentada - que imita a vida? - calhava a Boris e calhava a Olhão. A Boris, porque ele próprio foi/é um enigma que não se deixa aprisionar e cujo percurso, sobretudo reactivo, se apresenta sob o signo do acaso e da necessidade. A Olhão, porque, sendo um lugar que rebenta pelas costuras de "anarquistas" (ou "comunistas", para roubar a expressão a Raúl Brandão), lida mal com a ordem e a autoridade (incluindo a do narrador). Assim, a estrutura de "O Centro do Mundo", artificialmente natural (?), foi a que me pareceu mais adequada. A pesquisa não foi assim tanta (Boris, que eu saiba, ainda hoje resta por biografar com rigor), e as referências históricas e culturais, olhando-as à posteriori, tanto serviram como divertissement (meu e, espero, do leitor), como diálogo no interior da própria literatura, algo que me parece indispensável a quem escreve. Talvez o que eu pretendesse dar a ler fosse tanto a comicidade como a tragédia, à imagem de muitos dos meus escritores de eleição. Se consegui ou não, os leitores dirão de sua justiça. 

3. Projectos de escrita para o futuro? Algum outro romance na calha?

Trabalhando eu com palavras, não creio, no entanto, que seja obrigatório dar-lhes a forma de romance. Mas, como já disse algures, a ficção pode ser tão aditiva como o sexo. Quanto mais se pratica, mais vontade temos de praticar. Há qualquer coisa na calha, mas vamos ver se ganha forma. 

Muito obrigada.




domingo, 30 de abril de 2017

PERFORMANCE



Brennan - Sun on an empty chair 2

Morreu Vito Acconci, o homem que fez da masturbação arte

Vito Acconci foi um pioneiro da performance nos anos 60. Antes de se virar para a arquitectura, construiu uma obra radical à volta do seu corpo e do espaço.



Pais de todo o mundo! Não impeçam os vossos filhos de contar azulejos no WC, estareis, porventura, na sua essência, a cortar as pernas a um artista, a um performer em potência... 

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A LISTA DO ROCHA ANDRADE - MUNDO PERDIDO





A Madonna promete sexo oral em troca de votos na Hillary, o Pinto da Costa vai trocar de namorada, um “piloto” anda a voar baixo nas barbas da polícia, a Europa está em crise, mas chegou a Marte,  o Medina rebenta com Lisboa e o Rocha Andrade tem uma lista…

Querem ver que só falta o presidente da CGD ganhar 423 mil euros??

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

CHOQUE EMOCIONAL



Brad Yeo
A crónica desta semana na Revista Caliban


Um dia, ao acordar, sentiu um zumbido no ouvido direito, uma espécie de filtro que o impedia de ouvir com clareza e uma tontura que rapidamente degenerou em vertigem.

Virou-se para o lado esquerdo e colocou as mãos sobre a cabeça, com sorte e um pouco mais de descanso, talvez o zumbido e a vertigem desaparecessem, mas não…
Duas horas depois continuava inquieto e às voltas, com a mulher aborrecida,que nem iam à praia nem nada e o miúdo que não saía do computador e ele a dormir, a bocejar, tonturas, vertigens e o que mais viesse, que fosse às urgências, que aquilo de ficar deitado o dia todo num sábado de sol era coisa de velhos.
E ele foi derreter a existência nas quatro horas previstas de espera, impressas nas letras miudinhas da senha da triagem. A médica era simpática e estava com boa disposição. Exames, análises, testes, catéteres, soro e perguntas, muitas perguntas.
“Choque emocional!
 É stress!
Tem alguma coisa que o atormente? Anda a fazer alguma coisa contrariado?”
Não! Tirando o pormenor de me encontrar sem trabalho há mais de um ano, frequentar uma inócua formação do centro de emprego depois de vinte cinco anos de devotada dedicação ao banco, onde me dilui no tratamento de avales, letras e livranças e que só suportava pela ênfase dada por amigos e vizinhos aos juros baixos, férias e regalias dos SAMS,
que até podiam aproveitar e comprar uma casa maior pelo preço de um T qualquer coisa em Cascais, ter filhos, cão, periquito, escritório, marquise e ainda sobrava espaço,
e de ter acordado, só agora, numa assoalhada da andropausa, sem força nem paciência para as pequenas arrelias da vida, com despeito pela futilidade de quem vivia alienado nas manhãs da TV a bater palmas e a ganhar robots de cozinha… Não! Tirando isso não tenho nada a atormentar-me.
Betarsec debaixo da língua e mais uma drageia para a vertigem durante uma semana e fazer exames daqui a cinco dias”.
Passaram três meses, continuo tonto e com zumbidos, sem a mesma força nem disponibilidade para derreter mais quatro horas, do precioso fio do tempo, no hospital, que isto da existência, também tem o seu preço.
Não doutora, o único choque emocional é o da minha cabeça, sem ginástica suficiente para perceber a dinâmica do mundo, pequenino e cinzento, que se fecha todos os dias, um pouco mais, mesmo à minha frente…

quarta-feira, 18 de maio de 2016

UMA PONTE ENTRE DUAS MORTES



Antony Gomley


A cada passo irrito-me com o absurdo do fascínio que sinto por tudo o que não entendo e que me magoa. O mundo só é grande porque o céu fica acima das estrelas e pergunto-me: o que preciso fazer para me sentir seguro ou livre. Desce o silêncio. Desce sempre, E fico assim hirto, como o filho do meu vizinho de infância que ficava horas a mandar pedrinhas à janela da nossa casa por inveja, porque lhe dava gozo, porque devia andar cansado do seu corpo e com vontade de lhe ordenar que o largasse, se pudesse pendurava-o num cabide e procurava noutro corpo a novidade e então podia gozar a luz do outono, tranquila, a passar num murmúrio e a segredar-lhe que a vida era uma ponte entre duas mortes.


sexta-feira, 13 de maio de 2016

TAMANHO DO PÉNIS




Unnamed.jpeg



Segundo tudo aquilo que me chega por mail diariamente: notícias, mexericos, comentários e estudos, só não sou feliz porque não quero, pois tenho a possibilidade de aumentar o tamanho do pénis até quinze vezes em quinze dias, reclamar o prémio de cinco milhões de dólares da lotaria da Nigéria, de que fui o único e feliz contemplado, bastando, para isso, enviar a minha identificação e IBAN para receber a bela maquia, fiquei também a saber que no Burkina Faso vive uma menina ardente, doutorada, alta, loura, sem namorado ou pretendente, muito carente e com muita vontade de me conhecer. De caminho posso ficar por dentro dos segredos mais sórdidos do Vaticano, ter acesso único e exclusivo às provas irrefutáveis de vida em Marte, que a NASA fez todos os possíveis por esconder do mundo ao longo destes anos, receber o meu quinhão de uma herança de um antigo monarca da Mongólia ou fazer uma corrente que me livrará de todo o mal e inveja por trinta e duas gerações. 
A vida, assim, parece fácil e o mundo não é nada esquisito, não senhor. 

quarta-feira, 25 de julho de 2012

AS PALAVRAS


Sentia falta das palavras, dos gestos, do mimo e do sorriso com que pintava o dobrar dos dias, do olhar terno e profundo, convite explícito e aberto a devassar-lhe a alma, em  final de tarde, remendo de primavera colado à pressa sobre aquele Dezembro irreconhecível e confuso no jardim de relva bem tratada, com um castanheiro secular, um banco pintado de fresco  e uns arcos de pedra do tempo dos romanos obscenamente grafitado sem acento: “Antonio ama Maria Inês” com o peso do apelido a reforçar a sinceridade da declaração.
Doía-lhe a inconstância da presença. O sobressalto, o tempo, os silêncios. Caprichos do destino a brincar sem cerimónia. Doía-lhe a falta dos seus braços envolvendo-a no reflexo do espelho, pela manhã. E de tanto doer achava, por vezes  que o coração era uma dor do tamanho do mundo, percebendo, afinal  de contas,  que o amor, era coisa maior que ele…

sexta-feira, 29 de junho de 2012

MUNDO COMO DEVE SER



No mundo como deve ser juntava de um lado as coisas boas, os sonhos, o sorriso e o olhar, do outro, as coisas más, os excessos e as mágoas. No meio, aquela sintonia doce a tomar conta de ambos,  ainda que distantes, ainda que frágeis, apesar de erros  e mal-entendidos, Deixaria o destino correr no reflexo das palavras  dividido entre o peso  da sintaxe e a ternura da memória ,  sem vergonha ou rebuço, voando longe, na carícia e no beijo, escorrendo desejos e promessas, procurando, sôfrego, o amor…