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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

O MEU CONTO DE NATAL



A imagem é de Jean Paul Bourdier






Quando deu por si era o último vestígio de uma noite longa…

Não sabia o que seria o seu futuro, talvez cicatrizes do acidente de ontem, resto zero de uma equação indefinida, ele que nunca tinha tido jeito para as matemáticas. Não sabia como curar a ausência agora que o endereço da voz dela mudara de corpo. Desde aí adormecera por fora, o calendário passara a ter só noites e o seu espírito fechara-se, permanecendo incógnito, impermeável, livre de devassas. Só o amor podia subverter o desequilíbrio do seu quotidiano quando todos se tinham esquecido de resistir. Ele tinha muitos sonhos, estudou para engenheiro, ela para enfermeira e eles acabaram o namoro, ele detestava o cheiro a éter. Perdeu-a quando foi comprar umas asas.

Só não tinha medo do precipício quem tinha aprendido a voar.



terça-feira, 26 de junho de 2012

O TEMPO

Desde que inventaram a roda o mundo não parou mais... Então, tornemos a visitar este texto e aproveitemos a oportunidade para parar um pouco...


Ainda a mãe se encontrava prostrada na maca da ambulância berrando de dor de parto e já ela lhe esgadanhava as coxas metendo a cabeça de fora, ávida de ganhar o mundo. Nascida antes de tempo, com pressa de atingir a perfeição, tudo na sua vida fora uma olimpíada sem obstáculos. Dispensara as primeiras letras porque as segundas, trouxera-as com o cordão umbilical. Clássicos, modernos e assim-assim; contas, números e rabiscos foram segredos breves e acelerados, desvendados de forma esparsa e apressada. Faculdade, emprego, administração, adormecer em Londres, almoçar em Paris, jantar em Madrid, reuniões, accionistas e congressos... Foram degraus esgalhados a quatro e quatro numa escalada vertiginosa rumo ao sucesso, num sprint a contra relógio sem tempo para olhar para trás.

- “Não casas mulher?... Não tens filhos?... Vamos ao teatro?... Cinema? Um cafezinho?”- A tudo respondia com uma leveza insustentável:

- “Não tenho tempo!”

Até que um dia, por volta dos quarenta, numa curva da vida sem travões, durante uma viagem de carro com destino aos negócios, numa ultrapassagem com erro de cálculo foragido às leis da física vira, de repente, aquela luz frontal… A mesma que a encadeava agora vinda do tecto e iluminando todas aquelas batas brancas. Sentia frio, muito frio. Uma dormência letal no seu corpo banhado a hemorragia por dentro… Ao longe e de forma esbatida, ouvia murmúrios e o fraco tremeluzir do gráfico… E aquela luz… Aquela luz que a ofuscava… Se ao menos conseguisse fechar os olhos…

Então, de repente, de segadeira em punho, surgindo do meio do nada, esquálida, gélida e envolta no seu manto lúgubre surgiu a morte com o indicador espetado indicando-lhe que a seguisse…

"Que não… Que não ia, tinha muita coisa para fazer… Holdings para vender, contratos para assinar, posições para assumir"…

- "Piiiiiiiiiiiiiiiiii"… - O alarme sonoro e os acenos de cabeça foram a pedra de toque para desligar a máquina e apagar, finalmente, aquela luz…

A morte apontou-lhe o dedo de novo insistindo para que a seguisse…

- Não! Não me leves ainda! Deixei tanta coisa por fazer… Dá-me tempo…

Meneando a cabeça para a esquerda e para a direita, num movimento lento e sentenciador, a morte inclinou-se e com uma leveza insustentável proferiu:

- Desculpa! Não tenho tempo…
Luis BentoTerça-feira, 4 de Janeiro de 2011