Ele
sempre manifestara uma paixão sem tamanho pelo seu clube de eleição e expressara,
desde cedo, o desejo de ser cremado e que fossem atiradas as cinzas ao ar
durante um derby em Lisboa, no momento em que se gritasse: “Gooooooolo”.
Consultaram-se
notários e solicitadores, lavraram-se actas e escrituras, selaram-se ordens e
documentos. E Ele morreu.
A
família chorou e mandou cremar, rezar missas e riscar dias no calendário até
perto do final do campeonato. Compraram bilhetes para o derby e convidaram a
gente mais chegada entre família, amigos e um ex-presidente de junta a quem
deviam favores e pagaram as passagens de comboio. Já quase perdiam a esperança
quando, no último minuto da partida, esfuziante e roxo de berraria, o
comentador deu rédea às cordas vocais e derreteu os últimos decibéis com a tão
esperada frase: “Gooooolo! É gooolooooo!
E
a família lançou as cinzas fora da caixa deixando que se espalhassem, levadas
pelo vento, pelas bancadas, pelas cabeças e pelas bocas escancaradas, com um
leve sorriso de alívio e de satisfação por ter sido cumprido o último pedido do
moribundo. Ecoava ainda a gritaria pelas bancadas agitando-se bandeiras e
cachecóis com fervor, preparando-se, todos, para um final apoteótico, não fora,
o golo ter sido anulado por fora de jogo…