Michal Trpák |
Escrevo com
a pressa de quem foge, imprevisto mergulho na voragem da tua condescendência, em
mais um dia de sol e quarentena, em
rotundo esforço para pousar o comando da televisão e desenfiar as nádegas do sofá. Tocam à porta. É o carteiro, não tenho
correspondência, mas toca sempre para aqui para lhe abrir a porta, num prédio
confinado a uma ausência prolongada. Continuo indiferente. Mudo os canais e fixo-me numa
série cómica, abro um pacote de batatas fritas, cento e vinte gramas de polinsaturados, em óleo de girassol, trinta e
cinco por cento de matéria gorda e hidratos, sem corantes, saído
da fábrica da Póvoa de Santa Iria. Trinco uma. Esboço uma tentativa de
gargalhada. Mudo de canal, um thriller; mudo novamente, um drama familiar que
envolve traição, doença e arrependimento. Regresso à série cómica. Imagino que
estás aqui, encostamo-nos e dormimos em elipse, no lugar da
incerteza, trincheira do amor.
E chove, finalmente.