Só percebemos que tínhamos bebido demasiado quando vimos o chão muito próximo. No desequilíbrio germinou o amor e o desejo, dois estranhos afogados na rotina. Nos lençóis, marcas do delito conjugal por onde saiu o diálogo e os campos a florir num verso de Rimbaud. Vistos do retrovisor, os finais de tarde são genéricos de filmes que acabam bem e onde, à distância, percebo que só em ti há outro lugar.
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
MASCULINIDADE TÓXICA
domingo, 21 de agosto de 2022
DUSSMANN
Dussmann das Kulturkaufhaus Friedrichstrabe 90, Berlin |
quinta-feira, 16 de junho de 2022
LUZ / NEGRA - LUÍS MIGUEL RAINHA
Não tenho talento para recensões críticas, limito-te a fruir dos textos. Conheci o Luís Miguel Rainha nas redes sociais e, finalmente, de modo presencial, no lançamento do seu livro Luz/Negra. Para além de uma tarde de chuva bem passada na companhia com debate e polémica à mistura, na UAL, rendi-me à estrutura do livro, à subtileza pincelada de humor, ou talvez não, mais sarcasmo e ironia que humor. Um objecto de ficção científica a mostrar-nos um futuro distópico e obscuro pejado de IA, e fake news não muito longe da realidade, mas também com uma mensagem de esperança e fé na humanidade e no bom senso. Algumas referências culturais podem escapar aos mais incautos, mas só por distracção, uma vez que o autor nos disponibiliza as explicações para além do Dr. Google. Um livro a merecer público mais vasto e tradução noutras línguas.
sexta-feira, 10 de junho de 2022
VAZIO
“My hope is that we learn to accept ourselves for our strengths and weaknesses without The fear of rejection for our unique differences…”
Mary Sauer
O vazio encontra sempre as mãos do dono.
The light entered the room without asking permission and flooded her eyes as she waited, in pain, for the hours to flow.
Emptiness always finds its owner's hands.
AZUL TWITTER
Imagem: Bia @biam_f |
Ao seu lado, um homem viu as horas, deixou umas moedas para pagar o café e lançou um olhar lá para fora, através da montra por onde, àquela hora, se divisava ainda, sem favor, uma nesga de céu. Levantou-se com a vontade expressa de conquistar Lisboa aos Mouros, com a certeza firme de que a vida era algo mais que um lugar comum a esgueirar-se, de fininho, entre um intervalo da novela e um anúncio do Fairy e que a realidade era, “Tão somente”, um olhar sereno a entornar azul sobre as coisas…
domingo, 5 de junho de 2022
domingo, 8 de maio de 2022
quarta-feira, 4 de maio de 2022
A GRETA, O GUTERRES E O ENTERTAINER DE BELÉM ENTRAM NUM BAR…
Imagem: Pinterest |
A minha tia, da parte da minha mãe, que sempre me disse que tudo são recordações muito antes do Vítor Espadinha ameaçar o Bruno de Carvalho com duas “bufatadas”, diz que vivemos numa terra de fanecas e besugos, com um Entertainer na presidência à espera do cabal apuramento das responsabilidades sobre Tancos, mas ela acha que ele só devia apurar o refogado de lentilhas e o traço com lápis número dois, para desenhar um triângulo isósceles, por causa das pantominas que vai fazendo para as selfies. A minha tia também sempre me disse que eu era um bruto com pensamentos frívolos e muita imaginação, ora quis o destino, que a noite passada tivesse sonhado que a Greta, o Guterres e o Entertainer tinham entrado num bar.
A bem dizer, quando lá cheguei, já o Entertainer tirava retratos, freneticamente, com a T-shirt do Zelensky vestida. A Greta, numa brecha do blá, blá, blá, saiu para ir à casa de banho dar conta de uma cólica impertinente, mas regressou num ápice a reclamar com a falta de papel higiénico no WC, o dono disse que por causa das alterações climáticas não havia papel porque a indústria era altamente poluente e consumia recursos hídricos que faziam falta noutros sectores, mas que no canto direito do lavatório, mesmo ao lado da barra de sabão azul e branco, havia umas folhas de videira que ela podia usar na limpeza do fiófó. O Guterres, ainda com as calças encharcadas da capa da Time, alertou para o uso excessivo de água no autoclismo e o dono disse que depois de usar as folhas de videira, podia deixá-las num contentor de compostagem que havia no quintal, mas devia ter cuidado por causa de uma colónia de larvas que residia sob a tampa. O Entertainer ficou a matutar numa solução: Bóom…Se já andei com o António Costa ao colo, já entalei o Rui Rio e já mandei um beijinho à saloia da Malveira, não custa nada pedir-lhe para entrar no Big Brother Famosos e tirar umas selfies antes que o Putin faça uma mobilização militar desde Vladivostok até Setúbal. A Greta anunciou que estava com fome e já trincava qualquer coisa, o Guterres manifestou o interesse pela presença do kim Il Jung da Coreia do Norte pois que já era boa altura para ele nos ensinar como, através da reeducação dos povos, se conseguia pôr a malta a bater palmas aos mísseis para abafar os roncos do estômago, o Entertainer insistiu com os afectos e o Guterres pensou fazer umas contas: ora 6% de quinhentos milhões, vezes o PIB, ora seiscentos milhões… mais a raiz quadrada de… e o Entertainer interrompeu de imediato: Raiz? Ó homem, nem quadrada nem redonda, é mais encolhida… tal a figura que “fizestes” na mesa do Vladimiro. A Greta só queria um sofá da Eames Lounge Chair para descansar porque estava agoniada, o Guterres aborrecido porque a guerra já estava a fazer muito barulho enrolou-se num canto a pensar quando é que saía da ONU, finalmente, o Entertainer recebeu uma chamada da Saloia da Malveira a convidá-lo para o Big Brother Famosos.
No meio de tudo, ainda houve tempo para mais uma selfie enquanto o Guterres continuava a contar pelos dedos e a Greta arrotava folhas de videira.
Entretanto, tocou o despertador, levantei-me e dei um olhinho pelas notícias:
“Marcelo confirma presença no Queimódromo do Porto…”
Estamos todos “queimados” é o que
segunda-feira, 2 de maio de 2022
CRÓNICA NO OBSERVADOR
Viva! É com grato prazer que partilho a minha crónica social no jornal Observador que, espera-se, seja o início de uma colaboração com futuro. Prazer ainda maior se lerem, seguirem e partilharem. Na próxima semana, nova crónica.
https://observador.pt/opiniao/autor/luisbentoblogger/
quarta-feira, 27 de abril de 2022
terça-feira, 25 de janeiro de 2022
quinta-feira, 2 de setembro de 2021
11 DE SETEMBRO
sábado, 24 de abril de 2021
A HORA DA POESIA - PODCAST
E mais uma vez não podia deixar de agradecer à Conceição Lima e à Rádio Vizela, a oportunidade de ouvir os meus poemas ganharem asas na voz da Conceição, da Ana Albergaria e do Carlos Revez, num programa que tem sido um suporte de partilha e divulgação de poetas e do seu trabalho.
Para quem não teve oportunidade de ouvir aqui fica o link do podcast:
terça-feira, 20 de abril de 2021
HORA DA POESIA
segunda-feira, 18 de janeiro de 2021
sábado, 9 de janeiro de 2021
VERTIGENS
domingo, 3 de janeiro de 2021
FOTOGRAFIA
FOTOGRAFIA – por Luís Bento
Depois da morte do marido, o amor, resumia-se agora à inevitabilidade da memória de um passado que tinha valido a pena, a espraiar-se pelos filhos nascidos na Bélgica e as saudades que tinha daquele céu de chumbo, que convidava à leitura e reflexão no escritório aquecido, onde passavam largo tempo a olhar pela janela alta, em forma de ogiva com vitrais no canto, o relvado verde húmido onde alguns mais afoitos jogavam à bola de galochas.
Ela só queria voltar a encontrar alguém para partilhar a manta do escritório, dissertar sobre a apropriação artística da paisagem rural ou trocar ideias sobre A Montanha Mágica, ainda procurava nas redes sociais olhos para o seu corpo, sem resultado, as pessoas pensam que o insucesso se pega, a pele engelha e os dentes amarelecem até cair. Ainda tinha esperança num resto de vida a preços de oportunidade, fazer parte de uma história em que o elenco não saísse antes do fim, porque a morte, apesar de quase sempre separar mais vezes do que se pensava, doía menos se a levasse abraçada a alguém. Sentiu sempre a falta dele espalhada pela casa, especialmente na cama onde o amor a deixou sempre exausta e daí para cá esperou que aparecesse alguém para lhe baralhar a memória, que lhe fechasse as cortinas dos olhos e deitasse fora a chave dessa névoa passada em que fora gente.
Gostava de ter sido uma personagem de filme, uma qualquer, no cinema amava-se ou faziam-se coisas à distância com os olhos sem poiso certo ou com ele nas próximas cenas, com o público à espera do grand finale, mas era míope, custava-lhe a reconhecer um amor mesmo quando estava diante de si. Esbarrara no marido, literalmente e foi pelo cheiro, pelo hálito quente e neutro, depois foi uma questão de pele, arrepiava-se quando sentia os seus dentes nas costas, nos ombros, a puxarem-lhe o lóbulo da orelha, arrepiava-se ainda, sempre que pensava senti-lo em si, um só corpo com duas metades coladas.
Depois veio a doença, que pôs um ponto final numa frase inteira.
Aos poucos, desapareceu como funcionária, desfez-se como artesã deixando a meio as tapeçarias que ainda lhe davam alento, convivendo apenas com o vazio. O mal tomava forma nos insectos que apareciam na cozinha, não despejava o lixo com frequência diária e os pratos com restos de comida faziam fila na bancada. Estiraçada no sofá da sala, os dias eram iguais às noites, iluminados indirectamente pela televisão sempre ligada a que não prestava atenção. Não queria ajudas, preferia que não fizessem limpezas nem lhe mexessem nas coisas porque assim sabia andar pela casa sem sobressaltos ou acidentes, sempre fora assim desde que ficara a cargo da madrinha e engravidou na adolescência, mesmo a fechar o mês de Abril em setenta e dois.
E então, numa manhã quente de primavera levantou todo o dinheiro do banco, comprou um carro e fez-se à estrada, numa paisagem a animar-se na voragem com que as árvores perdem tamanho com a distância, até caberem dentro de uma fotografia.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
ENTREVISTA LUÍS GALEGO - GALEGO ARMADO EM PROUST
GALEGO ARMADO EM PROUST (CIX)*
Registe-se, igualmente, a sua colaboração literária na revista digital "Torpor" (Passos de Voluptuosa Dança na Travagem Brusca), a sua presença em "Colecção Crateras Poesia" e em "Antologia de contos originais", que acaba de ser publicada e para a qual contribuiu com "O tom verde maduro das árvores a lembrar, vagamente, Montmartre" [http://www.edi-colibri.pt/Detalhes.aspx?ItemID=2461], comprovando a sua extrema versatilidade.
___ ‘Nas horas vagas [o Luís] anda por aí…’.
* Não foi possível publicar esta entrevista em tempo útil, mas seria uma pena se a conversa não fosse partilhada. Gosto [muito] de o ter aqui.
[Em tempos de isolamento social ouso interpelar várias personalidades das artes e das ciências. Publicarei uma ou mais entrevistas/questionários por semana que ficarão arquivadas neste mural num álbum – Galego Armado Em Proust – criado para o efeito, podendo ser consultado sempre que queiram. Esta é a centésima nona entrevista de uma série de 110].
'[...] salvava Reviver o passado em Brideshead, um fresco fabuloso sobre o período antes da segunda guerra e o rápido declínio do mundo em que os personagens se movimentam, não sei explicar, mas a ideia do declínio atrai-me.…'
1. Qual é a primeira memória que tens? Que tempo foi esse?
_. Às vezes não sei situar as memórias de forma específica, sei que foi na infância, mas não consigo precisar a idade, talvez 3 ou 4 anos, quando eu e os meus pais fomos dar um passeio pelo campo e resgatámos um pintassilgo caído de um ninho, lembro-me de os meus pais tentarem alimentá-lo com uma pipeta de soro nasal, mas em vão, o pintassilgo ainda com penugem acabou por morrer. Lembro-me da choradeira que fiz e de o meu pai perguntar se queria um peixinho... como eram todos dourados seria fácil substituí-los se algo acontecesse.
Nunca quis o peixe…
2. Quem gostarias de ter sido aos 15 anos? E agora?
_. Tanta coisa! De astronauta a bombeiro na infância aterrei no sonho da escrita.
Queria ser escritor, na altura, ter uma voz, uma intervenção e marcar de alguma forma o panorama literário, com aquela ideia romântica do autor de casaco de malha, sentado à secretária com uma vista desafogada e a viver do ofício. Hoje? Continuo a querer ser escritor.
3. És um Homem que chora?
_. Independentemente do género só almas insensíveis ou muito contidas não choram, essa ideia de que “um homem não chora nem que veja as tripas de outro na mão “, que ouvi na infância, além de desajustada e discriminatória não pega, provavelmente se visse as minhas tripas na mão já não ia a tempo de chorar. Sou emotivo, por vezes controlo uma ou outra emoção mais forte, não por vergonha ou preconceito, mas para ganhar forças para o obstáculo seguinte. Foi assim em dois momentos distintos: quando o Banco onde trabalhei durante 25 anos decidiu dispensar-me, juntamente com outros 297 colaboradores, numa sala, onde um amanuense ia debitando nomes que lia num tablet ou quando o médico me anunciou o diagnóstico de uma doença do foro oncológico e marcou de imediato a intervenção. Digamos que mordi os lábios.
4. De quem mais sentes falta?
_. De tanta gente... professores que me incentivaram e abriram o caminho para a escrita no secundário, de pensadores e artistas, de vozes que adorava continuar a ouvir, da minha mãe, sem dúvida, omnipresente em alguns textos que escrevi e que continua a ter razão naquilo que nós, normalmente, estamos numa idade em que achamos que o mundo é nosso e, por isso, não damos ouvidos.
5. Qual é a tua característica mais marcante?
_. Nesta idade... ainda ando à procura dela... (risos). Normalmente não ligo a marcas.
Enfim, acho que um certo humor corrosivo de mãos dadas com um estado de preocupação geral, em alerta permanente é o que me poderá definir melhor.
6. Como é que lidas com a frustração?
_. Essa é fácil! Escrevo! Mas por vezes pode ser um problema... ao invés de explodir no momento e dizer ao amanuense do Banco tudo o pensava sobre a sua desastrosa gestão, por exemplo, escrevi um texto corrosivo sobre o banco (incluído no romance que ganhou o prémio Lions), mas também tem coisas positivas, nos meus textos, pugno por uma intervenção social com as temáticas do quotidiano, as vidas, a doença, quase protagonista, que me ajuda a ultrapassá-la e, acredito eu, a outros leitores que estejam em situações menos boas.
7. O que deve limitar o território da intimidade?
_. Tal como outras fronteiras, há territórios que são transpostos, consciente ou inconscientemente. A intimidade é aquilo que nós acharmos não dever expor por pudor ou invasão do espaço alheio, balizado, em princípio, pelo bom senso, mas é difícil, o território da intimidade banalizou-se nas redes sociais e até na arte, como tento analisar na minha tese de doutoramento, exactamente sobre esse território do corpo transparente, da apropriação artística da imagiologia oncológica como estrutura de resistência ao dispositivo de poder. Basicamente, pessoas que fazem arte com a imagem da doença.
8. Que pessoa viva mais admiras?
_ A Malala, pela sua coragem, simplicidade, pela persistência e dedicação da sua vida a querer mudar o mundo, em condições difíceis e mostrar a importância da educação e do conhecimento.
9. Qual é a qualidade que mais aprecia numa mulher? E num homem?
_. Na mulher, a sua capacidade de não precisar de um homem para fazer a sua vida, no homem, o milagre de algumas vezes conseguir sobreviver sem a mulher (risos), em ambos, a inteligência e o sentido de humor.
10. Interessa-te o que a critica pensa?
_ Interessa e tem que interessar se quiser continuar a progredir, às vezes temos dificuldade em aceitar, depois de um trabalho árduo para defender uma dissertação, por exemplo, noites mal dormidas, stress, treinar a exposição e depois, num quarto de hora os arguentes só encontram pontos fracos, críticas, chamadas de atenção, é duro, tal como na minha escrita, indicações de que podia fazer de uma maneira diferente, mas vejo sempre o lado positivo da crítica: significa que alguém teve o mesmo esforço que eu para analisar o meu trabalho e apontar as fragilidades para melhoria e correção.
11. Ris facilmente de ti próprio?
_. Sempre! Sobretudo rio-me de mim próprio quando me disperso em eventos com público e me recordo das situações mais invulgares que me aconteceram, gaffes e outros incidentes, cometo muitas gaffes, falo de improviso e, por vezes, sem medir as palavras, o que é propício a incidentes, olham-me de soslaio, imaginam que tive alta do Rilhafoles e então rio-me das minhas figuras, das reações dos outros as minhas figuras. Aliás, a minha escrita é o território para rir de mim, pela boca de outras personagens.
12. Que mulher gostaria de ver como Presidente da República de Portugal?
_. Já era tempo de termos uma mulher na presidência da república... Todas! Menos a Cristina Ferreira! Pelo simples facto de que a Cristina ia transformar o palácio de Belém numa casa de espectáculos e o senhor Sousa já é entertainer em demasia...
13. Como interpretas a frase "Não sou racista, tenho até amigos negros"?
_. Um perfeito disparate. Um “rascimosinho” escondido na condescendência da adversativa, mostra logo ao que vem...condescender, neste tema é colocar-se a um nível mais elevado que não existe, nem pode existir, mas que ainda vai persistindo e que tem que ser combatido.
14. Faz sentido uma pergunta sobre origem [étnica] de cidadãos nos censos?
_. Se somos todos iguais perante a lei e se o objectivo prático dos censos é fazer a recolha objectiva de dados sobre empregabilidade, estudo, idade, distribuição geográfica, etc. Essa questão poderia ser aproveitada para descriminar ou desajustar a análise dos dados, levando a interpretações com outros interesses e aproveitamentos. Enquanto não houver segurança e justificação plausível para recolha dessa informação, tal questão não deve ser colocada.
15. O que responderias a quem que te perguntasse ‘A minha filha sente-se um rapaz. O que posso fazer?’
_ Podes e deves fazer tudo para que a tua filha seja feliz! Feliz na sua acepção literal: contente, alegre, radiante, quer no sentido de conceito. Conceito vem do latim, do verbo concipere, que significa "conter completamente", "formar dentro de si", ou seja, formar dentro de si contentamento pleno, no corpo, a única coisa de que somos proprietários, a par da nossa consciência, claro. Coincidentemente com esta entrevista, abordo a questão Trans no meu último conto publicado na Antologia de contos originais da editora Colibri.
16. Eu não vou em touradas! E tu?
_ Não vou em touradas, ponto. A provocação e o sofrimento animal não podem ser motivo de divertimento e espectáculo ainda que escorados na tradição, a tradição já não é o que era, ou ainda teríamos em vigor o Circo Romano e muito sinceramente, só o J&B é que mantém relações fortes. Excepção feita para as touradas de carácter erótico...
17. Laura Ferreira dos Santos na sua luta “pelo direito a morrer com dignidade” implorava “só peço o direito a não morrer aos bocadinhos.”. Eutanásia: crime ou compaixão?
_. Nem crime nem compaixão, uma escolha de vida, como referi umas perguntas antes, nós somos os únicos e legítimos proprietários do nosso corpo e consciência. Nos casos clínicos comprovados de doença degenerativa, incurável e progressiva, penso que temos o direito de morrer de uma só vez e não em prestações sucessivas, dependentes de máquinas e de terceiros, à espera do milagre.
18. Eu preocupo-me muito com os animais, mas ser vegan não será um pouco exagerado?
_ Bom... um dos direitos que devia estar consagrado na cartilha universal dos direitos do homem devia ser o direito à incoerência. Eu, incoerente me confesso. Preocupo-me com a defesa da vida e dignidade animal, mas ainda não sou vegan, mas la chegará o dia em que não teremos outra opção. Tenho vindo a aumentar o consumo de vegetais em detrimento da carne.
19. ‘Nasceu-te um filho. Não conhecerás, jamais, a extrema solidão da vida…’, versos de Jorge de Sena. Subscreves?
_ Adoro o Jorge de Sena. Percebo o sentido dos seus versos, a extrema solidão depende das acções de filhos e de pais e efetivamente, com o nascimento de um filho mantemos o pensamento ocupado na escola, no seu futuro, no seu progresso, nesse sentido não estamos sós, mas olhando para alguns maus exemplos de idosos depositados em lares quando já não são “úteis”, não sei se, hoje, Jorge de Sena não alteraria os versos.
20. Qual consideras ser a tua maior conquista?
_ Ser pai. É uma categoria que vamos conquistando ao longo de anos. Depois há outras pequenas conquistas, sobreviver a um acidente automóvel, vencer o cancro, ultrapassar uma situação de desemprego.
21. Onde e quando foste mais feliz?
_ Todos os dias em que dou por eles, porque estou acordado, é um dia feliz. O ser “mais” feliz é uma busca constante.
22. Qual o teu herói da ficção? Quem são os seus heróis da vida real?
_. Na ficção, especialmente na BD, o Mandrake, sempre gostei de ilusionismo, tanto como o que tento criar na escrita, na vida real todos aqueles que diariamente andam numa luta constante para manter a subsistência e outros que, de alguma forma tenham ajudado a construir um mundo mais equilibrado e justo e, claro, os filhos, esses são sempre os heróis para os pais.
23. Que profissão, que não fosse a actual, admitirias exercer?
_. Admitiria e quereria! Exercer o ofício da escrita, escritor a tempo inteiro, não pela ideia romântica do glamour da profissão, nem pela vaidade da exposição mediática, mas pelo prazer de imaginar mundos, construir personagens e enredos, apesar do risco financeiro.
24. Um historiador de literatura e um tradutor que aconselhes.
_ Um historiador de literatura. José Barreiros, os seus dois volumes da História da literatura portuguesa acompanharam a minha licenciatura, praticamente, não saíram da cabeceira, um tradutor, pelo trabalho realizado na densa obra de Anne Burns, Milkman, o Miguel Romeira.
25. Quais são os teus escritores preferidos [incluindo os poetas, contistas, dramaturgos, letristas …]?
_ Tantos, mas tantos mesmo. Lobo Antunes, que já merecia o Nobel e de quem, regularmente leio a Memória de Elefante, Mário Cláudio, que também já merecia o Nobel, Proust, de quem andei a fugir na Faculdade e me deixei aprisionar alguns anos mais tarde, Anna Burns, Julian Barnes, O sentido do fim é um livro fantástico, Audur Ava Ólafsdótti, pelo maravilhoso Hotel Silêncio e Robert Seethaler.
26. E o pintor? Um arquiteto e já agora um fotografo?
_. Um pintor, Jorge Pinheiro, a análise do seu quadro o Bispo (azul), rendeu-me uma boa nota na cadeira de Artes Plásticas, (risos), Siza Vieira é incontornável na arquitectura e na fotografia, Júlio Aires, cujo trabalho conheci por via das redes sociais e que apresenta uma densidade, um equilíbrio e um humanismo nas suas composições a preto e branco, com seu eterno e belo Porto como cenário.
27. Um verso de que gostes muito? E um verso teu?
_. Um poema de que gosto muito:
Teu nome
espaço
*
meu nome
espera
*
teu nome
astúcias
*
meu nome
agulhas
*
teu nome
nau
*
meu nome
noite
teu nome
ninguém
*
meu nome
também
[De Ana Martins Marques]
__. Um verso meu... intitulado Anonimato do livro Des Existir do Improviso:
“E então fugiu do anonimato a pensar que escapava à morte,
Mas não conseguiu voltar a tempo...”
28. Se fosse um dia preciso salvar das águas apenas um livro de todos os que leste, qual seria?
_. Espero que esse dia nunca chegue, mas salvava Reviver o passado em Brideshead, um fresco fabuloso sobre o período antes da segunda guerra e o rápido declínio do mundo em que os personagens se movimentam, não sei explicar, mas a ideia do declínio atrai-me.
29. Um comentário que não esqueces relativamente ao Blog "Bento vai pra dentro". E relativo a "Des Existir do Improviso" e a "Avessos".
_. Em relação ao blog, já há muito que ninguém comenta, é cada vez mais raro. Destacaria um comentário a um post intitulado Penso, logo exílio, publicado em 2013: “Escrita contemporânea. Pura. É o fazer pensar sobre o mundo e a vida, o emergir da nossa condição de leitores à partida passivos, mas determinados pela leitura na atitude de escolha de ler quem assim escreve. Numa escrita narrativa profundamente inovadora, numa lógica de comunicação e de sucessão do tempo, afirmas fidelidade à memória doce de valores fundamentais como o amor, a vida, o ser. No meu entender, e já não é de hoje, és um escritor que evidencia um modo labiríntico de compor textos com registos diferenciados embora seguros e coesos, veiculando uma pungência de sensibilidade que confere ainda mais acutilância ao rigor formal e fechado das palavras. É uma escrita densa que obriga a leitura(s) conscientes e múltiplas. São leituras com uma ironia aguda que afirma uma vocação pessoal para a crítica pela observação de costumes e de ambientes político-sociais. Memórias…flashbacks que nos transportam a outros tempos sem perder o norte ou o pé que temos no presente. Uma quase consciência crítica em ambiente contemporâneo alicerçado à memória nacional do passado recente, numa evocação de ambientes e figuras próximas. Tens uma marca discursiva muito própria…persistente e inconfundível. Penso logo exílio. Leio logo lembro. Resta-me pensar… logo… Parabéns. Excelente.”
Sobre o Des Existir do Improvis, sem dúvida, o comentário do Luís Galego: “Estimado Luís chegou-me hoje o teu livro. Já li e reli alguns poemas. Tu és mesmo bom, caraças”.
30. Quem é o teu compositor preferido?
_ Rachmaninoff, pelos prelúdios.
31. Se um realizador te pedisse para com ele colaborar numa nova versão de um dos seguintes filmes por qual optarias: "Rocco e seus irmãos" [Luchino Viscont], "Jules e Jim" [François Truffaut], "Central do Brasil" [Walter Salles] ou "Belarmino" [Fernando Lopes].
_ Central do Brasil de Walter Salles, sem dúvida. Uma história comovente, uma análise sobre um Brasil profundo feito de encontros e desencontros, a solidão, o caminho, a esperança, um humor enviesado, uma forte crítica à injustiça e a enorme lição de que podemos vencer essa coisa criada para nos amolecer a vontade que a literatura e a religião chamaram de destino. Punha algum freio no meu humor corrosivo e acentuava os murros no estômago [https://www.youtube.com/watch?v=xmMR46HsaBc].
32. Com quem dançarias até às 5 da madrugada?
_. Com ninguém, não quero impor suplício ou desastre.
33. ‘Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes …!’ [mais coisa, menos coisa], disse Baudelaire. Caro Luís, esquece a poesia e a virtude e diz-me em que contexto apanhaste a maior bebedeira [se é que…]?
_. Com o Baudelaire não foi com certeza, que levei com ele na faculdade de letras numa altura em que as obrigações eram o caminho mais rápido para a balda, com vinho, mas mais com whisky, nesses gloriosos tempos em que tínhamos uma tertúlia. Saiamos das aulas da Faculdade, íamos comprar whisky e falávamos de Edgar Morin, Mário Vargas Llosa, Barthes e chegava a casa as 10h da manhã do dia seguinte mesmo em cima da hora das frequências. Agora, agora, o único contexto para cair de quatro, talvez quando conseguir publicar o meu romance.
34. Consegues eleger o prato da tua vida?
_. Consigo comer! Que é diferente, favas guisadas, que o meu estômago não tem pedigree.
35. Uma cidade/um país onde voltarias? Um país/uma cidade por descobrir?
_ Voltaria a Florença, à Itália toda refazendo um percurso de férias, de carro, do passado recente: Lisboa, Bilbao, Pau, Carcassone, Nice, Monte Carlo, Génova, Luca, Pisa, Florença. Reiquiavique e a Islândia, à conta das descobertas literárias mais recentes.
36. Qual é o teu atual estado de espírito?
_. Oscilo muito entre a euforia e a disforia. Em termos de estado, se não fosse humano seria um elevador. Atualmente, o meu espírito não tem “Estado”, é um pária, porque não consigo escrever.
37. Ainda se morre por amor ou isso só acontece nos poemas que nos atormentam o espirito?
_. Morre-se mais de solidão, por falta de amor. Mas gostava de morrer de amor no poema da Maria Teresa Horta:
‘Morrer de amor
ao pé da tua boca
*
Desfalecer
à pele
do sorriso
*
Sufocar
de prazer
com o teu corpo
*
Trocar tudo por ti
se for preciso’.
38. Não se pode resumir uma vida numa palavra, disse Bernard Pivot. Ainda assim, diz-me uma palavra de que gostes.
_ Forrobodó, inicialmente farrobodó derivado do primeiro conde de Farroba que dava festas sumptuosas e ruidosas onde hoje fica o Zoo de Lisboa. Era como deveria ser a nossa vida, um forrobodó e não o inferno em que por vezes os outros a transformam. Os outros que também somos nós. Malandro do Sartre!
39. Para fecharmos este questionário/entrevista que pergunta gostarias de me fazer?
_ Gostaria de fazer muitas, mas pelo menos duas: Quando é que vamos tomar esse café? E Quando é que vamos tomar esse café?
Muito Obrigado Luís Bento!
Luís Galego
17.08.2020
📷self.
▶ Entrevistas anteriores: (I) André Freire, (II) Eugénia Vasques, (III) João Brás, (IV) Mamadou Mahmoud N'Dongo, (V) Noémia Costa, (VI) Rogério Pacheco, (VII) Fernando Heitor, (VIII) Luís Osório, (IX) Inês Fonseca, (X) Maria Matos, (XI) João Costa, (XII) Elísio Summavielle, (XIII) Eduardo Pitta, (XIV) Teolinda Gersão, (XV) Hortênsia Calçada, (XVI) Pedro Vieira, (XVII) Maria João Luís, (XVIII) Hugo van der Ding, (XIX) Anne Victorino de Almeida, (XX) Ana Cássia Rebelo, (XXI) António Manuel Ribeiro, (XXII) Yvette Centeno, (XXIII) Roberto Pereira Rodrigues, (XXIV) Daniel Sampaio, (XXV) José Correia Guedes, (XXVI) Dolores Parreira, (XXVII) Isac Graça, (XXVIII) Inês Thomas Almeida, (XXIX) Maria Quintans, (XXX) André Maia, (XXXI) João Pedro Vala, (XXXII) Inês Fontinha, (XXXIII) Matamba Joaquim, (XXXIV) Lurdes Feio, (XXXV) Martim Pedroso, (XXXVI) Ana Salazar, (XXXVII) Rosa Vaz, (XXXVIII) Helena Coelho, (XXXIX) Mc Somsen, (XL) Emília Ferreira, (XLI) Ângela Pinto, (XLII) Rui de Luna, (XLIII) Estelle Valente, (XLIV) Isabel Mendes Ferreira, (XLV) Dalila Carmo, (XLVI) André Osório, (XLVII) Isabel Medina, (XLVIII) João Pinto, (XLIX) Bruno Gomes Gonçalves, (L) Paula Perfeito, (LI) Frederico Corado, (LII) Elmano Sancho, (LIII) Ana Margarida de Carvalho, (LIV) Luís Reis, (LV) Lucinda Loureiro, (LVI) Paulo Otero, (LVII) André Tecedeiro, (LVIII) Vera de Vilhena, (LIX) Tiago Salazar, (LX) Cecília Carmo, (LXI) Carlos Prado, (LXII) Alberto Villar, (LXIII) Olga Roriz, (LXIV) Itamar Vieira Junior, (LXV) São José Lapa, (LXVI) Fernando Ventura, (LXVII) Fernando Ramos, (LXVIII) Manuel Halpern, (LXIX) Catarina Figueiredo Cardoso, (LXX) Jacinta Jazz, (LXXI) Maurício Gomes, (LXXII) Joana Emídio Marques, (LXXIII) Rita Ferro, (LXXIV) David Simões, (LXXV) Sílvia Vasconcelos, (LXXVI) Cristina Vidal, (LXXVII) Rafeiro Perfumado, (LXXVIII) Daniel Bernardes, (LXXVIX) Fernando Ferreira, (LXXX) Simão Rubim, (LXXXI) Luísa Dulca Soares, (LXXXII) António Capelo, (LXXXIII) Ricardo Fonseca Mota, (LXXXIV) João Neto, (LXXXV) Levi Martins, (LXXXVI) Tiago Guedes, (LXXXVII) Miguel-Manso, (LXXXVIII) André Gago, (LXXXIX) Cecília Barreira, (XC) Rui Effe, (XCI) Analu Prestes, (XCII) Isabel Rio Novo, (XCIII) Cristina Carvalho, (XCIV) Jorge Silva Melo, (XCV) José Magalhães, (XCVI) Paulo Teixeira Pinto, (XCVII) Miguel Poiares Maduro, (XCVIII) Tomás Kisseleca, (XCVIX) Pedro Penim, (C) Maria Eduarda Colares, (CI) Eduardo Quive, (CII) Júlio Lellis, (CIII) Mafalda Ribeiro, (CIV) Paulo Guerra, (CV) Mariana Ianelli, (CVI) Miguel Almeida Bruno, (CVII) Vítor Serrão, (CVIII) Miguel Loureiro.
Luís Galego adicionou uma foto nova de 17 de agosto às 15:03 ao álbum: GALEGO ARMADO EM PROUST — com Luís Galego II e Luis Bento.