Um privilégio imenso publicar a entrevista que Teolinda Gersão teve a amabilidade e disponibilidade de conceder ao nosso blog poupando, ainda o anfitrião, à dificuldade em sintetizar a sua nota biográfica... Um grande momento de uma grande senhora das letras.
NOTA BIOGRÁFICA:
Teolinda Gersão estudou
nas Universidades de Coimbra, Tübingen e Berlim, foi leitora de Português na
Universidade Técnica de Berlim e Professora catedrática na Universidade Nova de
Lisboa. É autora de doze livros (romances e contos), traduzidos em onze
línguas. Foram-lhe atribuídos por duas vezes o Prémio de Ficção do Pen Club (O
Silêncio 1981, O Cavalo de Sol,1989)o Grande Prémio
de Romance e Novela da APE (A Casa da Cabeça de Cavalo,1997),
o Prémio da Associação Internacional dos
Críticos Literários (Os Teclados 1999), o Grande Prémio
do Conto Camilo Castelo Branco (Histórias de Ver e Andar,2002), o
Prémio Máxima de Literatura, o Prémio da Fundação Inês de Castro (A
Mulher que Prendeu a Chuva), e foi shortlisted para o Prémio Europeu de
Romance Aristeion.
Foi escritora-residente
na Universidade de Berkeley em 2004.
Alguns dos seus livros
foram adaptados ao teatro e encenados em Portugal, Alemanha e Roménia.
Os seus livros mais
recentes são A Cidade de Ulisses,romance, 2011,e As Águas Livres,Cadernos
II,2013.
ENTREVISTA:
1- Fez
uma declaração de amor à língua portuguesa em Junho de 2012 onde, num texto
primoroso, aliou mordacidade, humor
e reflexão.
“Vou
chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está
tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A
professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se
aguenta.”
A esta
distância acha que há,
agora, mais amor à língua portuguesa, ou que, pelo contrário, com a polémica do acordo
ortográfico à ilharga ,“ a turma vai acabar por chumbar”?...
A
“redacção” que escrevi em 2012, ”Declaração de amor à língua portuguesa,” era
um texto muito irónico, mas realista. O
ensino que se faz da língua consiste basicamente na aprendizagem de uma
terminologia e, por muito bons que sejam os professores, os alunos resistem a
aprender o que acham tão absurdo como inútil. O que só prova que são
inteligentes. O MEC tem os chumbos e as péssimas notas que merece.
Quanto
ao desastrado “Acordo” Ortográfico, há um número crescente de vozes de protesto
que o recusam liminarmente, em Portugal e fora dele. O que é um bom sinal de
que estamos vivos.”Estou vivo e escrevo sol”, escreveu António Ramos Rosa. Nós
estamos vivos e escrevemos/dizemos: Não.
2 - Em, A casa da cabeça de cavalo, o personagem Januário interroga-se
sobre se primeiro se deveria ter um estilo e só então escolher as
palavras...Estas são também interrogações suas? Construir uma história, um
texto em que se consiga atingir o equilíbrio entre a beleza da palavra, o estilo e
a necessidade de reflexão? E esse equilíbrio surge-lhe de forma natural ou tem,
por trás, um aturado trabalho?
Esse
passo (como aliás todo o romance) é também muito irónico. Ninguém é escritor
porque construiu a priori um estilo, só quem nada percebe de literatura pode
julgar que se aprende a escrever através da teoria da literatura,da retórica
literária,da linguística ou de qualquer outra disciplina.
3 – Em A cidade de Ulisses a relação amorosa de um casal é
o pretexto para abordar o amor, a liberdade, a identidade, a opressão e
revisitar Lisboa, a antiga e a moderna, traçando paralelismos entre episódios
de ruptura no passado e a situação actual. Acredita que é na criatividade, na arte e na cultura que
reside a chave para vencer
este fado de crise que ciclicamente atravessa a nossa sociedade?
Nada
nas nossas crises é “fado”, mas sim corrupção e incompetência – por vezes
incompetência voluntária, recusa de mudar o status quo por conveniência, o que
é também uma forma de corrupção. Escrevi um romance sobre Lisboa, mas vejo-a da
perspectiva de personagens que estudaram e viveram anos fora dela, e têm por isso um olhar diferente. O fado não é uma
canção melancólica, digo por exemplo no livro: é uma canção altiva. Porque é
assim que penso, somos um povo corajoso e altivo, e não brando e resignado. E
somos imensamente criativos, o que é uma enorme mais valia, não tenho a menor
dúvida sobre isso.
Amo muito Lisboa, sim. Estou satisfeita com o
que, década após década, antes e depois de 74, o poder autárquico e político
têm feito dela? A resposta é não. E em relação ao país, à mesma pergunta daria
a mesma resposta: Não.
4 - No
livro A mulher que prendeu a
chuva assistimos a um
quotidiano onírico, fantástico, reflexivo. Num dos contos, As tardes de um viúvo aposentado, assistimos ao
personagem a tentar preencher o seu dia, a inventar situações e saídas para
poder ocupar o seu tempo. Acha que esse é o tormento do homem moderno? Num
mundo evoluído tecnologicamente o homem acabar por ficar só num mar de
gente...?
É
verdade que a solidão é um problema actual. Existiu sempre, mas a modernidade
agravou-o. No entanto isso não é uma fatalidade, e é possível encontrar
saídas.O problema não está nas coisas a que acedemos, que, em si próprias, são
neutras, está no bom ou mau uso que fazemos delas. A tecnologia por
exemplo pode afastar ou aproximar as pessoas. No fundo, tudo depende
sempre de nós. Escolher é possível.
5 - Nos
seus livros sentimos que a vida
pode ser experimentada a cada linha que se lê... É esse o papel da literatura?
Experimentar o mundo? Deixar pistas para aquilo que não vemos no dia-a-dia?
Acredito
que a literatura alarga o horizonte e a experiência do mundo. Os analfabetos
(em sentido real e em sentido lato, de analfabetismo cultural) são
incomparavelmente mais limitados e mais intolerantes do que aqueles que lêem
(que sabem ler, também no sentido mais vasto do termo). O próprio gesto de
abrir um livro (sem o qual na minha perspectiva a vida não seria vida) é um
gesto de liberdade: um novo espaço se abre, e nos convida a percorrê-lo.E é, ao
mesmo tempo, um gesto de humildade: algo que ainda não sabemos, não conhecemos,
não temos, vai ser-nos oferecido e acrescentado, porque estamos sempre num processo
de crescimento e de aprendizagem,que só chega ao fim quando morremos.
6
- A última questão, normalmente, mais “leve”... A Teolinda Gersão já... prendeu
a chuva?...
(Risos)
Oh,não, eu amo a liberdade e o espaço, e, mesmo que pudesse, nunca prenderia
nada! Nem o sol nem a chuva!