Renato Guttuso |
À noite, para além dos gatos
pardos, voava em páginas, a domesticar a torrente de palavras nas margens do
silêncio, ocupado a pontuar, de mansinho, frases de figurino e histórias de
encantar.
Era
uma vez… (assim começavam todas as histórias), um par de estrelas a
cintilar, um poema à deriva sem métrica definida, uma mão cheia de gestos, um
sorriso e um pintor. Com o brilho das
estrelas deu luz à esperança, com o ritmo do poema deu corda à paixão,
com o preciosismo dos gestos construiu um palácio e abriu o sorriso e assim
pintava os dias na quadrícula das calendas. Até ao momento em que apareceu a
bruxa má. Enquanto Deus andava distraído, o inferno cheio e o mundo ocupado,
com um sopro, roubou-lhe a esperança, fechou-lhe o coração, derrubou o
palácio, apagou o sorriso e secou as
cores. E assim, o pintor tornou-se banqueiro, a bruxa má amancebou-se com ele,
Deus tornou-se passagem bíblica,e o mundo tingiu-se de cinzento. De todo o lado
se levantaram vozes de escritores,
críticos e outros literatos, intifada académica, a moer pelo peso da forma,
lançando o vitupério pela falta de domínio narrativo, senso e moral da história agonizante no triunfo
obsceno do mal, não percebendo eles que, entre o encanto e a realidade sem
anestesias, o mundo era hoje, também ele, uma história mal contada…