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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O DETALHE

Quadro de Helena Abreu

Às vezes escrevo para fazer jeito ao dedo,  até chegar aquele texto. Outras para me tornar melhor. Não é que a salvação esteja na escrita, mas um dia a vida vai acabar de qualquer maneira e a noite é demasiado longa para histórias curtas...

O verão começara com o teu sorriso e prolongara-se noite dentro. Escura, amena. Os lábios, macios, escondidos num beijo de olhos fechados. De olhos fechados o universo  perde importância e os nossos  corpos, juntos, tornam-se infinitos, sem pressas, apesar de saber que não tenho noites suficientes para envelhecer nos teus braços. O tempo é um detalhe que vai e vem, sem palavras, dentro da memória, no momento em que me esqueço  dos nomes das coisas e sinto a intermitente presença da tua falta. Perco-me às metades no teu corpo e tu a tornares-te inteira numa lógica de que só a minha pele conhece a fórmula, sem raciocínio, vontade ou semântica. E imploro-te que não acendas a luz para poder ver a madrugada a partir.

E, lentamente, adormecemos. 


domingo, 1 de julho de 2012

PRENDA DA MADRUGADA



Por vezes, o escriba perde o pio… Longas e penosas temporadas sem ouvir o trinado das palavras. Fosse ele siciliano e há muito que estariam a fazer parte da composição molecular do betão armado, mas não… anos de carga cultural judaico-cristã, amparada no encosto terno e sábio da experiência do avô materno a vergar-lhe o dorso , não lho permitiriam. “Isto é como as ovelhas… é deixá-las ir que quando tiverem fomeca regressam! Até se encavalitam umas nas outras!” E voltaram… um emaranhado de hieróglifos confuso na sintaxe, mas prenhe na sensibilidade e no sentido… E assim, nas entrelinhas da noite cerrada, deu-se um click … Uma prenda da madrugada…

Por mais que ele puxasse as baínhas à memória não encontrava a costura onde se perdera da paixão. Fosse por míngua de alimento, fosse por ausência de palavra, o certo é que, escudado na sabedoria paterna que bastas vezes lhe zurzira, com firmeza, ser a poesia um bálsmo para a alma, mas fraco aconchego para o estômago, a deixara morrer em lume brando acabando por lhe fazer o funeral ao longo de uma vida de trabalho árduo e de apetites saciados em relações sem corda ou baraço de tamanho suficiente para o compromisso. Ganhara o estômago numa luta desigual com o dicionário dos afectos…

Ela, por sua vez, adormecida numa quietude morna e constante, sem sobressaltos, habituada ao quotidiano novelesco iniciado, bem cedo, à porta de casa e a terminar já com o sol entretido a desenhar geometria na sombra dos muros de reboco mal acabado, doce, sensível, embrulhada numa aparente fragilidade, de olhar a um tempo sereno e forte, buscava uma melodia afinada no seio da paixão que ,ao invés de pernoitar, residisse em permanência naquela assoalhada vaga no coração.

Magnânimo e omnipresente, talvez por distracção ou experiência, o destino dera-lhes uma prenda. Tropeçaram um no outro numa química em efeverscência e sem manual de instruções. Os corpos, nus, moldados numa forma única, consumiam-se num movimento lânguido e lento , através dos cabelos dela escorregando teimosamente por entre os dedos dele que, de olhos bem abertos, se deliciara com o gemido rouco e profundo com que ela lhe acariciara os lábios . A lua a estender-se pelo céu com uma dormência dolente e preguiçosa e o relógio a encher-se de horas e eles, de mãos dadas, experimentando num último estertor de prazer, um sorriso amplo e afogueado a iluminar a face de ambos.

Ele, cogitando de olhos no tecto, percebera que não precisava mais de puxar as baínhas à memória. Ela, estranhando-lhe o silêncio, não resistiu à pergunta:

- E tu? Em que pensas?

Dominado ainda por uma réstea de calor, fez uma pausa, inspirou fundo e, de sorriso nos lábios, perguntou-lhe por sua vez:

- E tu? Sabes o que é amar?

Ela, sem ponta de espanto, sorriu, recordou as palavras doces da mãe que, com uma paciência ilimitada lhe saciava a curiosidade desconcertante da idade dos porquês, aninhou-se-lhe no peito , atirando-lhe num sussurro:

- Amar? Amar…É gostar de ti com muita força…