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domingo, 15 de julho de 2012

SILÊNCIO


Alfredo Araújo Santoyo

Três pequenas histórias, três perspectivas sobre o silêncio com leituras nas entrelinhas. A morte, o quotidiano e o amor.

O SILÊNCIO - I


Num frémito, a brisa acenara-lhe à janela onde passava páginas em branco, noites a fio, a desenrolar o silêncio das palavras de olho nas estrelas. Sibilina, a morte segredara-lhe que cair nos seus braços era viver como estrela, brilhando, as boas, mais que as más. Não havendo pecados a expiar, nem grandes nem pequenos, pegou na alma, subiu ao terraço, galgou o parapeito e deixou-se levar, de um sopro, no brilho do silêncio…


SILÊNCIO! - II


Amarelecida de inutilidade, ciosa do traço tosco da enfermeira de dedinho em riste sobre a boca, a placa sobrevivia, a custo, num equilíbrio precário entre a força de gravidade e a cola ressequida, escorregando numa lentidão imperceptível pela parede abaixo, ante a algazarra anárquica instalada na sala de espera do centro de saúde. Novos, velhos e assim-assim, exibiam com orgulho bacoco e ruidoso, chagas, fístulas, feridas infectadas e outras enfermidades constantes dos alfarrábios clínicos, como condecorações de guerra de uma vida esgotada, com esforço, numa olimpíada masoquista repartida em retalhos e privações entre a Sueca no jardim e as filas intermináveis, em pé, sobre joanetes inflamados, à cata do primeiro prémio da lotaria de consultas. De um lado, uma conformada brigada do reumático onde soldados sem brazão no apelido ou homem de peso à beira da pia baptismal remexiam, com irritante insistência, na sacaria repleta de embalagens vazias de analgésicos e ampolas esmolando assinatura e vinheta do sotôr na receita. Do outro, uma exaurida plebe de classe média empregada por conta de outrém, irrequieta, prisioneira do crochet nervoso e miudinho, da fofoca de novela e do quotidianozinho semeado de injustiças, esgravatando no divórcio frequente das vedetas ou na maldade da besta da professora da Nini do quinto esquerdo da travessa que a tomara de ponta, embirrara com ela e insistia em dar-lhe más notas preparando-se para lhe oferecer uma raposa mais que certa. Alguns miúdos espojavam-se no chão numa descontraída gritaria para desjejuar do fastio das horas de cárcere involuntário na sala. O Sotôr, de nervos em franja, arrepanhava a melena por entre relatórios e credenciais, mal dormido pelo peso do enfeite com que o presenteara a namorada que, apesar de vestir mal de cara se evidenciava em intermináveis jogos de cintura que, afinal andava distribuindo de forma generosa, por seara alheia. Mais pelo peso do ruído do que pela força do ciúme, num assomo de ira, abriu a porta do gabinete de rompante e, rubicundo, vomitou-se em berros e imprecações exigindo silêncio:

- Se torno a ouvir uma mosca, um verme ou uma lesma rastejando no mosaico vou-me embora, não dou mais consultas hoje e não há receitas pra ninguém!
Enfiou-se para dentro fechando a porta com enfadado estrondo.
A placa não resistiu ao apelo das leis da física e estatelou-se no chão desagregando-se , com o impacto, em parcelas de composição molecular.
E então fez-se silêncio…


O SILÊNCIO - III


No princípio, apenas o verbo, lento, sorrateiro, conjugado no verbo amar insinuando-se aos pedaços. Logo a seguir a paixão, tomando forma escrita na espera transformada em desejo dos corpos nus, em pé, contra a parede, consumindo-se em silêncio…