Antony Goomley |
* A minha crónica desta semana na Revista Caliban
https://caliban.pt/fragilidade-1e0185eeb015#.hkenojp77
O mundo
está frágil, de uma fragilidade constante que compromete a nossa
segurança e nos faz distrair com minudências. Torno-me claro quando
escrevo, de forma coerente, sobre a memória que me chega às prestações
ou é o dia que se torna leve quando junto palavras para recordar coisas
boas e outras assim-assim, como o senhor Manuel a chorar mágoas, no
regresso apressado de Angola resumido à categoria de sonho, com léguas
de distância, trinta anos e mãos vazias.
Trinta anos depois já era muito tarde para se recomeçar o que quer que fosse…
“muito tarde”,
expressão
castradora, por sinal, o caminho mais curto e irreversível para acabar
de forma atabalhoada e peculiar na inércia que teima em acompanhar-nos
ao longo de séculos.
Aos
poucos, acabamos por voltar sempre ao sítio das recordações, novelo de
corda, sem fim, afundando-nos lentamente, neste cais, parapeito imenso,
onde apodrecemos numa espera antiga e viciada, sem vontade ou
iniciativa, sem alguém que ponha mão nisto,
que pense por nós, com ideias e energia suficiente para acabar com a
nossa desgraçada facilidade com que continuamos alimentar a mediocridade
endémica, que se põe em bicos dos pés para “inglês ver”, sequela da orfandade adquirida em
Alcácer kibir e que continuamos a amenizar. O paradigma da sociedade
mudou, mudou-se, mudou-nos, inebriados que estávamos com o bem-estar, o
dinheiro e o conforto a quem prestamos vassalagem descarada. A
superficialidade e o ressentimento mantêm-nos ocupados. Tornámo-nos
mutantes e vivemos vidas de empréstimo nas novelas ao sabor de cada novo
episódio. Fazemos sacrifícios, gozamos com a tragédia, não queremos
chatices, evitamos o confronto, aceitamos tudo, esfregando as maõzinhas como o Eusébiosinho do Eça e assim nos perpetuámos e perdemos relevância
no grande drama histórico universal a gastar tempo com
insignificâncias, tudo aconchegado pela falta de leitura e reflexão,
aceitando regras com remoques, receita ideal para o pandemónio em que a
nossa existência se transformou e que, paulatinamente, ajuda a
desmantelar a frescura, a personalidade e a nossa vontade colectiva, se
não nos desfragilizarmos a tempo…