Ana Marques nasceu em Lisboa em 1969 e formou-se em Medicina Veterinátia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em Vila Real onde veio a leccionar Patologia Cirúrgica. A paixão pelas letras, desde cedo, que rivalizou com o amor que tem pelos bichos, tendo editado o livro de poesia "Abraçar o Sonho", edição de autor em 2010, e o livro de poesia "Barriga de Poemas", pela Editora Vieira da Silva em 2014.
1.
O que é, para ti, escrever?
Escrever é um modo de evasão. Uma maneira de sair do mundo
real/convencional e passar a um outro mundo onde não se aplicam as mesmas
regras. Escrever é ao mesmo tempo desbravar e construir esse mundo.
Há outras maneiras de conseguir isso, não é só a escrita que o
permite. Há quem largue tudo e vá correr o mundo a pé, outros vão combater na
guerra (podem até ter causas nobres), houve povos que o fizeram de forma
literal: pegaram em caravelas e fizeram-se ao mar em busca de novos mundos,
entre eles uns tais de portugueses...
O que a escrita permite é manter os dois mundos ao mesmo tempo.
Entrar e sair deles a nosso bel-prazer. Sem necessidade de grande esforço ou
especial coragem.
São janelas e portas que nos permitem saltar, em silêncio, de um
mundo onde as leis estão definidas e conhecidas para outro que espera que
sejamos nós as ditá-las, de acordo com a nossa imaginação.
A escrita permite compartimentalizar
dois mundos que são opostos: o da razão e o da fantasia.
Há quem viva sempre na fantasia, nada contra. A escrita é,
talvez, muito útil a quem não quer abdicar de nada.
2.
A poesia está na moda, fora de moda ou não vai em modas?
Está e não está. Ou seja, em termos de forma a Poesia vai em
modas. Em termos de conteúdo creio que está para além da moda porque ela é
universal e intemporal.
Gosto muito de um livro, uma antologia de Poesia que foi
publicado em 2001 para celebrar o facto de o Porto ter sido em 2001 a Capital
Europeia da Cultura, chamado “Rosa do Mundo”,
2001 Poemas Para o Futuro. É calhamaço que abarca a poesia conhecida ao
longo da História, desde as civilizações mais remotas até aos autores nascidos
em 1945. Estamos a falar de poesia fixada pela palavra escrita ao longo de
milénios.
O que é que podemos ver nesta viagem tempo/espaço sobre a Poesia
no Planeta? A forma muda, vai variando, às vezes com rima, outras sem rima, às
longa outras curta e pode até haver ciclos como na Moda em geral mas o
conteúdo, a substância, a essência, essa é sempre a mesma porque no fundo, a
Natureza Humana é só uma. A Rosa do Mundo é intemporal. E conseguimos perceber
tão bem um homem que viveu na Etiópia há três mil anos como um português do Sec
XI que escrevia uma cantiga de amor ou de amigo.
Deixo um exemplo:
(Etiópia, Oromo)
Copla
de Amor
Se eu fosse
um touro,
Um touro, um
belo touro,
Belo mas
teimoso,
O mercador
comprar-me-ia.
Comprar-me-ia
e matar-me-ia,
Esticaria a
minha pele,
Levar-me-ia
para o mercado.
A mulher
grosseira tentaria negociar-me em vão,
A bela
rapariga comprar-me-ia;
Amassaria
aromas sobre mim.
Eu passaria
a noite enrolado à sua volta;
Eu passaria
a tarde enrolado à sua volta.
O seu marido
diria:” é uma pele morta”!
Mas eu
estaria junto do meu amor.
A constância da Natureza Humana não é, no entanto, um dado
adquirido para o futuro, apesar dos milénios no passado a bater nas mesmas
teclas (o Amor, a Morte, o Ciúme, a Guerra, a Saudade, o Tempo, etc.)
Leio, volta e meia, umas notícias que dão como certa a
necessidade do Homem se fundir com alguma forma de inteligência artificial para
sobreviver enquanto espécie. Ora a inteligência artificial é capaz de ser muito
útil para resolver uma imensidão de problemas complexos. Como será a Poesia
nessa Era não consigo prever. Aliás, nunca ouvi a expressão “sensibilidade
artificial”. Será a Poesia capaz de perdurar em tempos biónicos? Espero que
sim.
3- Fala-nos um
pouco deste teu Poémica e onde o podemos adquirir ou encomendar.
Poémica é um conjunto de poemas escrito em 2014, que conta, ou
pelo menos tenta (os leitores o dirão), uma história muito simples. Já escrevi
muita poesia depois disso, alguma até me parece mais bem conseguida, mas, até
agora, e muito provavelmente, nunca inventarei uma colecção de poemas tão
coerente e coesa. Por isso tenho um carinho especial por este livro apesar de
estar a sair com 2 anos de atraso (deveria ter sido em 2015). Poderia escrever
um livro sobre a elaboração deste livro, tais foram as peripécias que
atrapalharam esta edição. Valeu a pena esperar pois, entretanto, descobri a Ana
Amil, a Designer Gráfica que trabalhou o miolo e fez a capa maravilhosa deste
Poémica e me fez esquecer as dificuldades passadas.