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Brad Yeo |
A crónica desta semana na
Revista Caliban
Um dia, ao acordar, sentiu um zumbido no ouvido direito, uma espécie de filtro que o impedia de ouvir com clareza e uma tontura que rapidamente degenerou em vertigem.
Virou-se para o lado esquerdo e colocou as mãos sobre a cabeça, com sorte e um pouco mais de descanso, talvez o zumbido e a vertigem desaparecessem, mas não…
Duas horas depois continuava inquieto e às voltas, com a mulher aborrecida,que nem iam à praia nem nada e o miúdo que não saía do computador e ele a dormir, a bocejar, tonturas, vertigens e o que mais viesse, que fosse às urgências, que aquilo de ficar deitado o dia todo num sábado de sol era coisa de velhos.
E ele foi derreter a existência nas quatro horas previstas de espera, impressas nas letras miudinhas da senha da triagem. A médica era simpática e estava com boa disposição. Exames, análises, testes, catéteres, soro e perguntas, muitas perguntas.
“Choque emocional!
É stress!
Tem alguma coisa que o atormente? Anda a fazer alguma coisa contrariado?”
Não! Tirando o pormenor de me encontrar sem trabalho há mais de um ano, frequentar uma inócua formação do centro de emprego depois de vinte cinco anos de devotada dedicação ao banco, onde me dilui no tratamento de avales, letras e livranças e que só suportava pela ênfase dada por amigos e vizinhos aos juros baixos, férias e regalias dos SAMS,
que até podiam aproveitar e comprar uma casa maior pelo preço de um T qualquer coisa em Cascais, ter filhos, cão, periquito, escritório, marquise e ainda sobrava espaço,
e de ter acordado, só agora, numa assoalhada da andropausa, sem força nem paciência para as pequenas arrelias da vida, com despeito pela futilidade de quem vivia alienado nas manhãs da TV a bater palmas e a ganhar robots de cozinha… Não! Tirando isso não tenho nada a atormentar-me.
“Betarsec debaixo da língua e mais uma drageia para a vertigem durante uma semana e fazer exames daqui a cinco dias”.
Passaram três meses, continuo tonto e com zumbidos, sem a mesma força nem disponibilidade para derreter mais quatro horas, do precioso fio do tempo, no hospital, que isto da existência, também tem o seu preço.
Não doutora, o único choque emocional é o da minha cabeça, sem ginástica suficiente para perceber a dinâmica do mundo, pequenino e cinzento, que se fecha todos os dias, um pouco mais, mesmo à minha frente…