quarta-feira, 3 de setembro de 2025

REVISTA MEER - ARTIGO DE SETEMBRO

 



Um excerto do meu artigo de Setembro na revista MEER.

Uma vida desarrumada como uma pintura abstracta

 Ela tinha uma vida tão desarrumada como se fosse uma pintura abstracta, em que as formas se atropelam, se repelem, e escorrem umas sobre as outras, um desenho ou uma folha cheia de gatafunhos, que não se parecia com nada, nas suas formas irregulares, pontiagudas, sobrepostas, como se o mundo a tivesse cuspido ao acaso numa tela, e pronto, ficas assim, sem moldura nem parede que te acolha, vai-te habituando. 

Sonhava com formas geométricas, não viajava, o mais longe que tinha ido fora à Malveira, faltava-lhe mundo, dele tinha apenas o que lhe chegava pelas notícias da televisão e que aquelas desgraças eram longe, muito longe, mais de um dia de viagem e isso dar-lhe-ia, com certeza, vómitos. Agoniava quando andava de carro. Onde suportava melhor a viagem era no lugar do pendura com a janela toda aberta e a cabeça inclinada para fora.”

https://www.meer.com/pt/94392-pintura