Recuperando uma entrevista ao professor e autor José Leon Machado, concedida ao nosso espaço em 2010, que julgava perdida por problemas técnicos e que mantém uma actualidade preocupante.
O
convidado desta semana, que gentilmente acedeu ao nosso pedido é o professor
José Leon Machado. Nascido em Braga a vinte e cinco de Novembro de mil
novecentos e sessenta e cinco é, actualmente, Professor Auxiliar do
Departamento de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde se
doutorou em Linguística Portuguesa. Tem colaborado em vários jornais e revistas
com crónicas, contos e artigos de crítica literária. A par do seu trabalho de
investigação e ensino, tem-se dedicado à escrita literária, especialmente à
ficção, onde a influência de autores clássicos greco-latinos e autores anglo-saxónicos,
se reflecte na sua escrita simples e concisa. Ganhou vários prémios literários,
de que se destacam o Prémio Edmundo Bettencourt 2001 da Câmara Municipal do
Funchal com a obra Os Incompatíveis (contos, Campo das Letras, 2002) e o Grande
Prémio de Literatura ITF 2002 (actual DST) com a obra Fluviais (contos, Campo
das Letras, 2001). Descobri-o recentemente por causa do seu último romance O Cavaleiro da Torre Inclinada, com o subtítulo de "Cenas da Vida Académica", onde,
num registo simples, numa estrutura narrativa equilibrada, plena de ironia e
com algumas pinceladas de sensualidade, nos revela um ambiente e uma praxis de
tradição medieval e inquisitorial que ainda hoje subsiste no mundo académico.
Passemos
então à pequena entrevista que o professor José Leon Machado amavelmente
concedeu ao nosso espaço:
–
Como surgiu o professor Leon Machado no mundo literário?
JLM – Antes do professor, já existia o
escritor. Eu comecei a escrever um diário aos doze anos e foi nessa altura que
surgiu a minha vocação para esta maroteira que é inventar histórias sobre a
miséria alheia.
- O Cavaleiro da Torre Inclinada retrata uma certa forma de investigação e arguição académica
"inquisitorial". Apesar de Bolonha, ainda se mantém essa perspectiva?
JLM – As coisas, a nível académico, não
mudaram muito. O que mudou é superficial: os cursos de quatro ou cinco anos
passaram para três e o financiamento do Estado ao Ensino Superior viu-se
reduzido, levando à asfixia financeira das universidades, que não têm dinheiro
para comprar livros e para pagar a luz eléctrica. De resto, tudo se mantém,
infelizmente.
– A
personagem principal enfrenta o enfado e a indiferença da mulher pela
investigação e aposta no conhecimento do marido. De certa forma, é o retrato da
nossa sociedade?
JLM –
Sim, é. As pessoas são cada vez mais superficiais. Um lavrador ou um sapateiro
analfabetos de há cinquenta anos atrás eram mais cultos do que o cidadão médio
actual. Pelo menos sabiam tudo o que era necessário saber para exercer com
mestria a sua profissão: tratar a terra e consertar sapatos. Além de terem uma
opinião avalizada da vida e do mundo. Hoje em dia o conhecimento (e falo do
conhecimento científico e erudito) é considerada, de um modo geral, uma coisa
aborrecida, própria de cientistas malucos e de ratos de biblioteca. As pessoas,
todavia, esquecem-se de que, sem o conhecimento e a investigação, não há
evolução tecnológica.
– A
dado passo, Marco Túlio, a personagem principal, cede à tentação de coleccionar
certificados de presença a eito. Não estará o autor a "desconstruir"
a essência da investigação académica?
JLM –
Uma coisa é a investigação e outra a subida na carreira académica. Para se
subir na carreira, é necessário fazer investigação. Mas esta é trabalhosa. Por
isso, não falta quem opte por apresentar nos congressos uns textozinhos com uma
dúzia de citações colhidas aqui e ali sobre determinado tema e ir fazendo o seu
percurso académico dessa maneira. E quem faz isto está realmente a coleccionar
certificados.
– No
final do romance, dá-se uma ruptura na vida da personagem. Foi o final de um
ciclo rotineiro em termos de vida académica? Ou o assentar (finalmente) da sua
vida amorosa? Acidente de percurso motivado pelo resultado das provas de
agregação?
JLM –
Não propriamente. Na vida académica não há ciclos. Há um continuum até à
cátedra. Como subir uma escada. O Ferreira merecia um castigo. E a esposa
também. Numa boa história, os maus no final são castigados. Haja moralidade!
Teremos de esperar para saber o que acontece na segunda parte que estou de
momento a escrever.
uma boa entrevista! gosto do testemunho que o José Leon Machado deixa acerca de como se 'envolveu' com a literatura e concordo com o que diz acerca do ensino superior...
ResponderEliminarainda bem que a recuperou!