Para ele, que estava a perder a visão aos poucos, tornava-se agora mais importante recordar que esquecer, em especial, o dia em que a teve, com o vagar dos dedos e dos lábios, não chegando a perceber porque não deu certo entre eles. Ficava a vê-la da janela a sair para o trabalho, onde ela passava era a parte mais bonita da rua, as feições em sintonia com os olhos miúdos e rasgados de um azul céu, os lábios grossos adornavam
uma fileira de dentes perfeitos, formando uma boca que matava do coração sempre
que se abria num sorriso. Sem subtilezas ofereceu-se um dia para a levar a casa. Era
verão. Quando deram por isso, já se enrolavam no chão, na mesa, na máquina de
lavar, num sonho com gosto de saliva e sal.
Ela saiu ao
amanhecer, sem despedidas nem número de telefone, apenas uma mensagem singela
escrita com batom no espelho da casa de banho.
"Foi bom, mas tenho consulta no oftalmologista."
E nunca mais lhe pôs a vista em cima.
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