quinta-feira, 7 de abril de 2016

AS BOFETADAS DO JOÃO SOARES








O despudor e a falta de respeito pela democracia manifestam-se quando o verniz estala diante da opinião contrária de quem governa. No tempo do Eça de Queiroz resolviam-se as coisas à bengalada, no estado islâmico decepam-se umas cabeças, no Governo de Portugal prometem-se bofetadas. Quem tem a função de governar, função essa suportada pela nossa carga fiscal, não pode produzir declarações de ameaça, de violência, ódio ou da mais vil e abjecta boçalidade. Sinceramente, não foi para isto que se exigiu um Ministério da Cultura, bastava-lhe marcar o ponto na manjedoura do Parlamento, ir a umas Vernissages e lançamentos de Opúsculos e fazer o seu habitual retiro com os amigos em Óbidos. “Mais vale burro que me leve que cavalo que me derrube,” pois creia-me vossa excelência que como ministro da cultura, não carrega nem derruba, que a cultura é coisa maior que o senhor, o senhor ministro da cultura é uma nódoa que há-de sair com benzina, como diz o outro, até lá, apetece dizer como disse o senhor seu pai, faz já um ror de tempo, quando afastou com muita deselegância (como é apanágio do clã) um polícia que insistia em fazer a escolta do presidente: 

Ò Homem ! Desapareça!

Ministro da cultura promete bofetadas a colunistas do Público... https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/ministro-da-cultura-ameaca-dar-bofetadas-a-colunistas-do-publico-1728385

terça-feira, 5 de abril de 2016

ANDAR AOS PAPÉIS






Quando era miúdo a televisão ainda era a preto e branco, as notícias andavam a passo e o tempo adormecia entre a ausência do supérfluo e a falta do essencial. Na escola aprendíamos a pautar a vida pela ética, pelo estudo, pelo trabalho e pela higiene para andarmos de cabeça erguida. Os tempos mudaram, os escrúpulos perderam-se, a ética tornou-se espécie em vias de extinção, o trabalho deixou de ser referência e, para alguns, a flexibilidade da coluna vertebral deixou de ser problema, passaram a vestir camisas de marca sem preocupação com os colarinhos sujos desde que não se visse... A nossa indiferença fez o resto: tornou-os obscenamente ricos, hipotecou o nosso presente e agora... Andamos todos aos papéis...

terça-feira, 29 de março de 2016

CATS










SALMON PÂTÉ

               He arrived to the hamlet at dawn. A cold and wet dawn with drizzling rain. Obvious evidence that it was already winter.  It had been a laconic phone-call:  the old bag kicked the bucket. Come ‘cos if you don’t, people will talk.” Actually, leaving at night, having to listen to a taxi driver babbling about something on his way to the train station, driving him up the wall on a slow train to Castelo Branco and getting sick for more than thirty kilometres on his way to Cebolais did not make his ideal weekend. At 5 a.m. he was snorting in his sleeping bag in the living room of his cousin’s before getting ready to attend the funeral.  He had left working projects, reading and trivial matters behind and his keys at his neighbour’s, with instructions to feed his cat and his parakeets who collected complaints from neighbours who could not endure Sunday morning noise, feathers, dust, with parakeet seed on window sills, little poo stains, stronger than rust on drying clothing. His favourite was his cat, rescued from street rubbish containers. His behaviour was not too different from that of a dog. He had been named Jardel, Pimpas, Michifu, Renault and Latex. In the end, he was named after the funny name of Balthasar because he had devoured a whole bolo-rei.[1] He usually laid on the entrance hall carpet when I went to work and there he stayed curled during the day. As I returned, he would jump onto my lap, and purred as loudly as the sound of a refrigerator motor.
               It had started to rain, and he buried his shoes in the mud as he remembered his grandfather in the priest's words, protected by a reassuring umbrella held by the rough hands of Firmino blacksmith, a bosom friend of his grandfather, who had always warned against the possibility of being fooled by gypsies in the business involving apparently bright flaxen chestnut horses which after being washed became gray, with rough hair and bad teeth. This was the sort of thing that should not be mentioned at a time as this. He should also accept his uncle’s ride; the daughter of the policeman Zé should not also have fled with a man before getting married to him first. He should also say goodbye and he should also accept kind offers, such as cabbage, olive oil, rye bread, arbutus brandy and the genuine smile of those who thought the future was at the end of the tarmac road to Lisbon. He accepted the ride. The rain started to fall again silently and the treacherous fog was strong enough to beat the laws of physics. A tight curve and the car slid on the slope, falling apart-and broke into chains, tires and shrapnel.
The parakeets... you have to be careful so that they won’t fly through the little door; it’s not safe, you know, I had to use a paper clip to hold it to the plastic bottom. And the cat... cat food... salmon! He likes salmon pâté, the cheap one; that one in the round can sold at the local grocer’s...


[1] literally King-Cake, a typical cake eaten at Christmas in Portugal


quarta-feira, 2 de março de 2016

A FATWA





Vivem-se tempos muito sombrios em Portugal. 

" Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres." 

Palavras de Voltaire que os obscuros incomodados que alimentam a campanha orquestrada nas redes sociais, saudosos da linha de pensamento único, desconhecem. Depois de terem exibido, galhardamente e em júbilo, no Youtube, a queima do livro, depois das ameaças e chantagens, falta, apenas, lançar uma fatwa a ordenar a execução do autor.
Khomeini não faria melhor.
Não era suposto, neste novo tempo do homem novo, assistir a tamanha... incultura... Isto só para ser fofinho.