segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CARO NUNO MARKL


Ilustração de Ricardo Campus

Caro Nuno Markl,

A minha tia, da parte da minha mãe, sempre me gabou o jeito para ler e escrever, pois, desde miúdo de fralda, que lia rótulos de garrafões de vinho daqueles de plástico branco, porque o meu pai era míope, bulas de medicamento, porque a minha mãe tomava comprimidos "Saridon" para as enxaquecas e instruções de pensos higiénicos e pílulas, porque a minha irmã mais velha já se encontrava às escondidas com um mancebo no bairro de Campolide, mas tinha dificuldade em ler duas linhas do tamanho de comboio regional... Cheguei a enviar os meus textos para o 5 para a Meia-noite, para a revista GERADOR e para a editora LEYA. A Leya respondeu-me ao fim de 15 dias a dizer que eu escrevia muito bem, mas que não arriscava num desconhecido, que fosse primeiro escrever colunas na imprensa diária, que amadurecesse um romance ou enviasse uma crónica para o Markl. E eu escrevi para a Gerador, mas eles disseram que tinham que reequacionar novas propostas, eufemismo mais-que-perfeito para "vai morrer longe". De caminho, ainda me perguntaram se eu queria ser sócio, ora eu apenas pago cotas na Associação "Sobral de Monte Agraço já tem parque infantil" e não posso ter mais encargos porque estou no chômage, como diz o meu padrinho que Deus tenha lá no céu que foi emigrante em Paris de França. Deixei de teimar em publicar os textos na revista que só vejo à venda naquele contentor manhoso à entrada do LX Factory, pois que já fui às melhores casas da especialidade em Portugal e, inclusive, na FNAC disseram-me que gerador não era uma revista, mas um artefacto mecânico para produzir energia, então em que ficamos? Agora decidi aceitar o conselho da Leya e fazer-te um convite. Li, recentemente na imprensa, que tinhas convidado um realizador de cinema para almoçar, mas que ele recusara. Há quem ande de cócoras atrás da Madonna para uma entrevista, há quem ande em bicos dos pés para ser ministro, mas nós os dois, que estamos em pé de igualdade (ambos usamos óculos) estamos acima dessas coisas, por isso faço-te um convite: Convido-te para almoçar, de caminho falo-te no meu blog, no meu livro que ganhou um prémio literário, mas que ninguém quer publicar e tu falas-me de humor, dos teus programas, recordamos as histórias mais fortes do “Homem que mordeu o cão” e de como é ter que conviver com estes malucos que te convidam para almoçar ou sobre o Padre António Vieira, o buraco do Ozono e a cintura de Van Hallen.. Tiramos uma “selfie” e faço uma reportagem no meu blog. Pago-te um almoço no Honorato, que é a fatia de subsídio de desemprego que posso desembolsar e cada um vai à sua vida feliz e contente. Não sou um stalker, sou um autor, já fui ao programa do Alvim, só me faltas tu e a Filomena Cautela, mas essa anda atrás da Madonna, que não lhe liga pevas, e nós podemos fazer um slogan: “Mais depressa o Bento entrevista o Markl, que a Madonna vai ao 5 da meia noite!” Ganhei os jogos florais de uma autarquia com uma Ode ao Mira, que é o meu tio com nome de rio, mas também existe o Laborinho Lúcio que tem nome de peixe e eu não sabia que os peixes escreviam livros, tenho um blog sobre literatura, pitta-shoarma e batatas fritas, sou iconoclasta, manco um bocadinho da perna esquerda, tenho a tensão alta controlada e vivo do subsídio que está a acabar.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

RISCO DE REBOQUE




- Então e uma placa de estacionamento proibido? Não era melhor?
- Era, mas isso custa caro!
- Então e a Câmara Municipal deixa?
- Não deixa, mas também não vê!
- Ok, prontos!

O CAMINHO DAS PEDRAS




O verdadeiro sentido e caminho das pedras:

"Pedras no caminho? Guardo todas. Estudo Geologia!"
Mayara Guedes

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

BITCOINS


WAYNE THIEBAUD




O meu tio, que na realidade era padrinho da minha prima e não nos era nada, mas nós tratávamos por tio porque tinha uma drogaria na rua de Campolide mesmo junto ao Tarujo, perto de um quartel e ganhava muito dinheiro, dava-me uma sandes de torresmos e oferecia-me uma Laranjina C sempre que eu ia para lá ajudar depois de sair da escola e de fazer os trabalhos de casa. O meu tio era alto, entroncado e com fortes traços de cavalgadura e tinha casado com a dona Antónia, atarracada e minúscula em modo redondo carica, que chamava "Pilips" à sua televisão, porque, desconhecia ela, o PH, para além de medir o grau alcalino, também se lia F como na farmácia do tempo do Eça de Queiroz. O aparelho de televisão era enorme, pesado, com naperonzinho no topo para resguardar do pó e um pequeno castiçal com velas para dar graça, colocado no quarto de dormir sobre a cómoda onde, todas as noites de quarta-feira viam filmes Danny Kaye enquanto ele se aliviava, sem apelo nem agravo, da flatulência, nos intervalos em que ela ia à cozinha buscar bolachas Maria. O meu tio vendia sabão azul e branco em barra, carvão e petróleo a granel e pacotes de cera búfalo, mas aquilo era tudo muito pesado para as minhas costas, tanto que comecei a ficar com a coluna torta, tão torta que o médico disse-me que eu deixei de ter coluna e passei a ter colina. Ainda hoje sofro de dores e náuseas por causa do tempo que passei perto do meu tio quando ele fumava uns cigarros Kentucki mata-ratos que o deixavam sempre a rir. Vem esta conversa a propósito das Bitcoins porque eu prometi à mina mãe querida, à Ágata e ao Roberto Carlos que ia ser alguém na vida, mas como sofro das costas, acabei a trabalhar num banco durante 25 anos e fiquei a perceber a importância do dinheiro… Só Karl Marx com o seu materialismo dialético e a exploração do homem pelo homem estava certo: Tudo o que existe, e move o mundo, é material! Tudo o que existe e é material, e faz mover o mundo, leva à exploração do homem, assim, se desmaterializarmos, na essência e na substância, aquilo que faz mover o mundo, conseguimos explorar o homem sem necessidade, sequer, de Halibut…é a essência e a substância das Cryptomoedas. E prontos!

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

CAPITALISMO E CONTOS DE FADAS




E é assim que a sociedade moderna mata o sonho.

Branca de Neve dona de casa com os filhos à ilharga, o Príncipe nas "bejecas", não falta a televisão e as batatas fritas, algures, por ali, deve andar perdido um smartphone  e algumas contas por pagar.

MCDONALD´S






Alô? Era um menu Big Mac com batatas extra, Cola e um Sunday de chocolate, por favor!


McDonald’s. Agora o seu Big Mac pode ser entregue em casa



DESPRENDIMENTO






Ainda murmuraste algo sobre o tempo, o espaço e a verdade.


Enrolaste-te e adormeceste.


Desliguei as luzes e desprendi-me, em silêncio, dos teus sonhos.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

POLITIQUÊS




Alavancar e elencar são, a par com implementar, verbos de relevância fundamental no discurso, que um bom político não pode dispensar. Bom, subentenda-se, no sentido de bom para ele próprio, homem de fibra com muita resiliência, preparado para o stress dos timings e dos feedbacks, numa conjuntura apertada e envolvente, cujo contexto apresenta uma problemática exigente, mas nada que um briefing com os colaboradores, depois de enumerar prioridades e estabelecer compromissos, não resulte numa estratégia de curto prazo com definição de metas e objectivos, para resolver a problemática dos diversos sectores abrangidos pelo responsável, que irá definir, monitorizar e partilhar tarefas, de modo a dar resposta cabal ao tema através de medidas adequadas para o efeito e cumprir, escrupulosamente, com o respectivo deadline sem ultrapassar a linha vermelha do budget.

Perceberam?

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

ESTADO DE SECA




E "prontes!" O estado de seca extrema continua a assolar o país com especial incidência na região do Carnide. Duas Matrioskas de Moscovo para mais tarde recordar... 






sábado, 18 de novembro de 2017

DOMESTICÁLIA




Um livro que ensina a pôr na linha a criadagem e a manter o tampo da sanita quente para o senhor, a piscina limpa, sem folhas nem carumas, as pratas e os ouros a brilhar com "Duraglit", qual enfeite de Natal do Cascais Shopping, casas de banho passadas a escova de dentes nas juntas entre mármores de Carrara e uma quantidade de conselhos práticos para a arte de bem servir, é uma peça do mais fino recorte literário que vai vender "cmó caraças"...

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

MARCELO



Imagem de João Bizarro


Ele dá abraços, beijinhos, faz pantominas, dá recados e, porventura, bolhinhas com a boca. Kit Marcelo, a prenda ideal para o Natal.

A imagem é de João Bizarro e caiu-me nas mãos. Foi uma prenda!



domingo, 5 de novembro de 2017

CORPO-ROCHA






Era um tipo mais-ou-menos, que levava uma vida assim-assim, com falta de espaço na lembrança de que tudo era denso, única forma possível de habitar o corpo-rocha.

DO OUTRO LADO DO ESPELHO




Do Outro Lado do Espelho, título que remete intencionalmente para o mundo de Alice Liddell, a heroína de Lewis Carroll (1832-1898), é uma exposição temática, que tem o espelho como foco principal e que pretende demonstrar a sua presença polissémica na iconografia da arte europeia, sobretudo na pintura, mas também em obras com outros suportes, como escultura, arte do livro, fotografia e cinema.
Curadoria: Maria Rosa Figueiredo com a colaboração de Leonor Nazaré
"Grátes" aos domingos... Até Fevereiro 2018

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

SEMÂNTICA


Malika Favre

Ele era poeta e escrevia-lhe cartas, dezenas delas, por sinal, constantemente rejeitadas.
- Cheias de erros ortográficos - Dizia ela.
E ele corrigiu a ortografia e acrescentou metáforas, antíteses e outros artifícios de estilo.
- Palavras sem sentido! - Respondeu-lhe, agora, sem entusiasmo.
E assim se perdia o amor por via da semântica.

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

HEIN SEMKE



Hein Semke

"O certo é que se dizem as coisas um bocado antes da fúria. Somos assim, os portugueses, a nossa pacatez é uma alma cristã um bocado antes da fúria."

valter hugo mãe, In JL 23/12/2015

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ILESOS




 




Ele era de luas, apetites, fragilidades e mau feitio… 
Ela aceitava gritos, desculpas e o facto de ele ser mesmo assim. 
Ele ofereceu-lhe pomada para as nódoas negras, ela deitou-lhe veneno na sopa. 

Há corpos onde pertencemos… e outros de onde não saímos ilesos.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

O QUE IMPORTA



 



É como diz o outro: 

" O que importa é o que interessa e o que interessa é que é importante..."

quarta-feira, 18 de outubro de 2017