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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O DETALHE

Quadro de Helena Abreu

Às vezes escrevo para fazer jeito ao dedo,  até chegar aquele texto. Outras para me tornar melhor. Não é que a salvação esteja na escrita, mas um dia a vida vai acabar de qualquer maneira e a noite é demasiado longa para histórias curtas...

O verão começara com o teu sorriso e prolongara-se noite dentro. Escura, amena. Os lábios, macios, escondidos num beijo de olhos fechados. De olhos fechados o universo  perde importância e os nossos  corpos, juntos, tornam-se infinitos, sem pressas, apesar de saber que não tenho noites suficientes para envelhecer nos teus braços. O tempo é um detalhe que vai e vem, sem palavras, dentro da memória, no momento em que me esqueço  dos nomes das coisas e sinto a intermitente presença da tua falta. Perco-me às metades no teu corpo e tu a tornares-te inteira numa lógica de que só a minha pele conhece a fórmula, sem raciocínio, vontade ou semântica. E imploro-te que não acendas a luz para poder ver a madrugada a partir.

E, lentamente, adormecemos. 


domingo, 15 de julho de 2012

DORMIR




A estrada estendia-se à sua frente, lenta, vazia, a deixar-se tomar de curvas com o verão a esgueirar-se de fininho em final de tarde, breve, como breves eram as palavras e o tempo a amaciar a melancolia suspensa da certeza  milimétrica de que o céu era sempre azul e que à noite se enchia de estrelas. Os dias são o que fazemos deles, e ele sem jeito para domador, alinhando na inércia com que os deixava tomar o freio no vazio da consciência em exílio absoluto escondendo-se na desconcertante imutabilidade do mundo.
Adivinhava-lhe o cheiro gravado na pele,  os gestos, as mãos finas de dedos esguios a enrolar-lhe o cabelo  com carinho, insistência e outras coisas que o coração sussurrava  e o corpo não esquecia...
Sempre desprezara os caprichos do tempo, marcas, dores ou achaques da idade. Quase não dormia, dormir era morrer um pouco no travesseiro, sobrando-lhe, assim,tempo para recordar. Por isso naquele final de tarde pegara no carro para uma viagem sem sentido ou à procura dele. Prego a fundo, uma dose de amnésia e duas de desapego , cavaleiro do asfalto em demanda da rainha  sem saber onde desenbocava aquela harmonia, as luzes e os murmúrios que ouvia agora.
Afivelara um sorriso amarelo mal a vira. – És bela! Imaginava-te de capuz e segadeira… Não terás vindo cedo demais para me levar?
- Sou capaz!... Se calhar distraí-me, mas já que cá estou…
- Deixem passar! Afastem-se por favor! – Maqueiros e paramédicos furavam pela multidão para chegar com rapidez ao local do acidente.
 Sentia-lhe ainda o cheiro, as carícias e o beijo a escorregar até ao seu gosto… Entreabriu os olhos e apercebeu-se dos pontinhos brilhantes entretidos a acender o céu, estirou-se com dificudade entre o lençol apertado  e afundou a cabeça no travesseiro…