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terça-feira, 26 de junho de 2012

ENTREVISTA COM CARLOS PINTO COELHO


Carlos Nuno de Abreu Pinto Coelho, jornalista, escritor, fotógrafo e brilhante comunicador e homem de cultura,  dispensa apresentações. Nasceu em Lisboa em 1944, frequentou a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa até ao 5º ano e ingressou no Jornalismo como repórter do jornal Diário de Notícias em Janeiro de 1968. Foi um dos fundadores do diário Jornal novo  dirigido por Artur Portela Filho. Até 1977 foi redactor da Agência de Notícias A.N.I., correspondente em Portugal da Rádio Deutsche Welle e redactor da revista Vida Mundial dirigida por Natália Correia. Na Radiotelevisão Portuguesa  foi director-adjunto de Informação (1977), chefe de redacção do telejornal - Informação/2 do Canal 2 (1978), director de Programas (1986/1989) e director de Cooperação e Relações Internacionais (1989/1991). Repartiu o seu talento pela rádio, pela televisão e pelo ensino onde foi conferencista no Instituto de Altos Estudos Militares, professor de jornalismo na E.T.I.C.e no Instituto Politécnico de Tomar. Ao longo de uma vida dedicada ao jornalismo, à cultura e à comunicação desempenhou muitos outros cargos e recebeu diversos prémios e distinções salientando-se o grau de Comendador  da Ordem do Infante D.Henrique atribuído em 2000. Dono de uma simpatia e afabilidade extremas, de mãos dadas com uma vasta cultura, teve a generosidade de aceitar o nosso desafio e deixar-nos aqui um belo momento de cultura e comunicação.

Entrevista de Luís Bento

A Carlos Pinto Coelho

31 Outubro 2010


1-Jean Dubuffet na sua “Cultura asfixiante” defendia que “(…) Um pouco de informação, o encontro fortuito de uma produção artística, alimentam sem dúvida o espírito de criação. Mas uma excessiva informação, um demasiado arreigamento pelas produções de arte, podem esterilizá-lo”. De certo modo, é o que está a acontecer hoje? O excesso de informação, o facilitismo da internet e de outros meios audiovisuais veio esterilizar o espírito criativo?


A resposta é, obviamente, não. Obviamente porque os factos estão aí, abundantes, a demonstrar que nunca o espírito criativo se manifestou com tamanha profusão e exuberância como nos nossos dias. A imensa parafernália de instrumentos da modernidade não é mais do que uma oferta de materiais ao serviço da criação, não é a criação ela mesma. Seria o mesmo que perguntar a um excelente chefe de cozinha se uma grande variedade de alimentos e uma boa quantidade de máquinas disponíveis para os confeccionar lhe roubam criatividade para inventar receitas novas. Claro que não acontece nada disso.

O ruído provocado pelo exagero de informação trepidante que caracteriza o nosso tempo é um sobressalto comparável ao bulício que o Iluminismo provocou na sociedade dogmática em que nasceu. Com mais liberdade de ideias e de comunicação, o espírito dos homens desdobra-se em sucessivos e inesperados patamares de inovação. E o espírito criativo dos homens do Iluminismo não se “esterilizou” por isso, como sabemos.


2-“A cultura revela tendência para ocupar o lugar até há muito pouco tempo ocupado pela religião. Tal como esta, possui agora, os seus profetas, os seus santos, (…) O conquistador apresenta-se ao povo não com as roupagens do bispo, mas do Prémio Nobel”. (Jean Dubuffet) Concorda com esta afirmação?


Todas as evidências estão aí para provar que o confronto entre o conhecimento e a religião é coisa do passado e que ambos podem coexistir em boa paz. Salvo em questões de comportamentos - onde subsistem ainda fronteiras muito difíceis de ultrapassar para os crentes militantes - já não há disputas de prioridades. Tanto a religião como o conhecimento aprenderam a instalar-se nos lugares que a tolerância lhes impôs e, se alguma vez esse equilíbrio se rompe, a sociedade civil insurge-se contra o prevaricador. Não vejo, portanto, que os heróis de um lado ou do outro tenham de se transverter para melhor sobreviver.


3-O programa “Acontece”, na televisão foi um hino à palavra e à cultura. O seu término e com a justificação pública de” ser muito caro”, que comentário lhe merece? Será o poder político, de tal forma obtuso ou receoso da cultura? Ou o povo insensível à sua importância? Quem é que anda a desafinar?


Não quero voltar a uma questão velha de anos, sobre que já me pronunciei exaustivamente. Nada aconteceu de novo que me mereça repetir que o orçamento do programa era modestíssimo e que a afirmação do ministro Morais Sarmento foi uma leviandade. O homem ficou carimbado por isso, na memória dos milhares de portugueses que perderam o “Acontece”. Continua viva, na Internet ( http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?acontece ) a petição de protesto assinada por mais de 16 mil pessoas e aonde ainda hoje alguns vão deixar umas palavras, em romagem de saudade...


4-Em relação aos livros e face às novas tecnologias e novos registos audiovisuais qual será, em seu entender, o futuro da literatura e, em última análise, da cultura em geral?


A Literatura existiu antes do Livro e seguramente existirá depois dele. Os conteúdos do espírito sempre fizeram caminho aproveitando-se dos novos suportes mas nunca morreram quando eles se tornaram obsoletos. A “Aparição” de Vergílio Ferreira há-de sempre ser luminosa, seja em que suporte “aparecer”. O mesmo para a Arte na imagem ou na música, cuja vitalidade só dependerá dos criadores, não dos materiais em que for produzida. A modernidade é coisa tão antiga e tão constante como o próprio género humano, não há que temê-la ou tentar refreá-la. O futuro começou ontem e já hoje o estamos a viver, não é verdade?


5-Para terminar, uma questão mais leve…Tendo em conta o seu percurso profissional , o que falta ainda “acontecer “ na sua vida?


Definitivamente, o livro que estou a escrever.


Muito cordialmente

Carlos Pinto Coelho
Luis BentoSexta-feira, 5 de Novembro de 2010