CANTO MANHOSO



CINCO PARA A MEIA NOITE





A minha tia, da parte da minha mãe, sempre me gabou o jeito para ler e escrever, pois, desde miúdo de fralda, que lia rótulos de garrafões de vinho daqueles de plástico branco, porque o meu pai era míope, bulas de medicamento, porque a minha mãe tomava comprimidos "Saridon" para as dores de cabeça e instruções de pensos higiénicos e pílulas, porque a minha irmã mais velha já se encontrava às escondidas com um mancebo no bairro de Campolide, mas tinha dificuldade em ler duas linhas do tamanho de comboio regional e até chegou a apanhar umas pústulas na boca por excesso de lavagem com vinagre para tirar o gosto... Cheguei a enviar os meus textos para o 5 para a Meia-noite, para a revista GERADOR e para a editora LEYA. A Leya respondeu-me ao fim de 15 dias a dizer que eu escrevia muito bem, mas que não arriscava num desconhecido, que fosse primeiro escrever colunas na imprensa diária, que amadurecesse um romance ou fosse escrever para a GERADOR ou me propusesse para uma entrevista com a Filomena Cautela que, nas horas vagas em que anda atrás da Madonna, que não lhe liga pevas, pode ter a sorte de ela reparar em si, além de que ela é gira como o caraças, indivíduo de que toda a gente fala, mas ninguém conhece. E eu escrevi para a Gerador, mas eles disseram que tinham que reequacionar novas propostas, eufemismo mais-que-perfeito para "vai morrer longe". De caminho, ainda me perguntaram se eu queria ser sócio, ora eu apenas pago cotas na Associação "Sobral de Monte Agraço já tem parque infantil" e não posso ter mais encargos porque estou no chômage, como diz o meu padrinho que Deus tenha lá no céu que foi emigrante em Paris de França. Deixei de teimar em publicar os textos na revista que só vejo à venda naquele contentor manhoso à entrada do LX Factory, pois que já fui às melhores casas da especialidade em Portugal e, inclusive, na FNAC disseram-me que gerador não era uma revista, mas um artefacto mecânico para produzir energia, então em que ficamos? Agora decidi aceitar o conselho da Leya e candidatar-me a cinco minutos de fama "à la minute", com todas as cautelas, junto da Filomena. Ganhei os jogos florais de uma autarquia com uma Ode ao Mira, que é o meu tio com nome de rio, mas vocês já entrevistaram o Laborinho Lúcio que tem nome de peixe e eu não sabia que os peixes escreviam livros, por isso também gostava de ir aí dizer umas coisas sobre a Ana Bola, Padre António Vieira, buraco do Ozono e a cintura de Van Hallen. Tenho um blog sobre literatura, pitta-shoarma e batatas fritas, sou iconoclasta, manco um bocadinho da perna esquerda, tenho a tensão alta controlada e vivo do subsídio que está a acabar. 

Cordialmente,
5/11/2017



Eu, também sou contra todas as drogas! Principalmente as mais pesadas, porque o meu tio, que na realidade era padrinho da minha prima e não nos era nada, mas nós tratávamos por tio porque tinha uma drogaria na rua de Campolide mesmo junto ao Tarujo, perto de um quartel e ganhava muito dinheiro, dava-me uma sandes de torresmos e oferecia-me uma Laranjina C sempre que eu ia para lá ajudar depois de sair da escola e de fazer os trabalhos de casa. O meu tio era alto, entroncado e com fortes traços de cavalgadura e tinha casado com a dona Antónia, atarracada e minúscula em modo redondo carica, que chamava "Pilips" à sua televisão, porque, desconhecia ela, o PH, para além de medir o grau alcalino, também se lia F como na farmácia do tempo do Eça de Queiroz. O aparelho de televisão era enorme, pesado, com naperonzinho no topo para resguardar do pó e um pequeno castiçal com velas para dar graça, colocado no quarto de dormir sobre a cómoda onde, todas as noites de quarta-feira viam filmes Danny Kaye enquanto ele se aliviava, sem apelo nem agravo, da flatulência, nos intervalos em que ela ia à cozinha buscar bolachas Maria. O meu tio vendia sabão azul e branco em barra, carvão e petróleo a granel e pacotes de cera búfalo, mas aquilo era tudo muito pesado para as minhas costas, tanto que comecei a ficar com a coluna torta, tão torta que o médico disse-me que eu deixei de ter coluna e passei a ter colina. Ainda hoje sofro de dores e náuseas por causa do tempo que passei perto do meu tio quando ele fumava uns cigarros Kentucki mata-ratos que o deixavam sempre a rir. Por isso eu digo ao Piruka, à Lili, ao Espírito Santo e à Santíssima Trindade para dizerem não às drogas e sim ao restaurador Olex e ao lubrificante Durex porque rima e faz bem à saúde e, em especial, àquelas partes...
Cordialmente,
7/11/2017

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